Antigamente,
há menos de 30 anos atrás, não havia toda essa parafernália tecnológica de
internet, telefone celular, Iphone, Ipad, Ipod e afins, que possibilitam a
comunicação rápida e sintética. Lembro-me que minha família foi uma das
primeiras a ter telefone no bairro onde morávamos. As ligações eram caríssimas.
Usávamos o telefone somente em casos importantes ou de emergência. Mas nem por isso não nos comunicávamos. Os
meios eram outros. Isso quer dizer que sou uma mulher do tempo das cartas. Outro
dia, arrumando caixas e gavetas, encontrei uma carta daquela época, que recebi
de uma amiga que morava no Rio. Estava lá, de cor rosa, desbotada pelo tempo,
adormecida em um envelope azul, dobrada cuidadosamente, escrita em caneta preta,
numa linda e caprichosa letra redondinha. Ao abrir vi que a carta guardava, entre
suas dobras, uma bela flor seca, que um dia já fora vermelha. Tão chic!... Nessa
carta, essa amiga me falava de um acampamento que fizera, onde conheceu pessoas
interessantes (aos 15 todo mundo é interessante), com descrições tão singelas
quanto o imaginário de uma menina dessa idade permitia suscitar acerca dos
“meninos”. Na mesma caixa, em meio a tantos postais, fotografias, flores secas,
laços, cartões, bilhetes, desenhos, poesias e outros papéis, achei uma carta fechada
que nunca mandei, por algum motivo que não lembro. Era para uma outra amiga,
que fora minha vizinha, e que morava à época em São Paulo, com quem nunca mais
tive contato depois da adolescência. Tempos atrás encontrei sua mãe e soube que
ela havia falecido há muitos anos. Sofreu um acidente junto com o noivo. Moravam em Curitiba e
estavam indo de carro para São Paulo entregar os convites de casamento. Os dois
partiram juntos. Uma história romântica e triste ao mesmo tempo. A carta me fez
experimentar um breve pesar pela lembrança de Alessandra, uma menina tão
alegre, cheia de sonhos, que gostava de gatos e de fazer bolos nos fins de
tarde. Comi muitas cukas em sua casa. Continuei a remexer minhas coisas. Deus
do céu, como historiador guarda velharias! Achei outras preciosidades de valor
sentimental: dois cadernos com pensamentos e poesias, copiados de jornais e
revistas, afinal o acesso à informação não era tão fácil como hoje. Minha letra
era tão bonitinha. Letra de menininha. Fazia os
pingos dos “is” com bolinhas e enfeitava as bordas dos cadernos com imagens
recortadas de revistas e desenhos rococós de flores, luas, estrelas e
borboletas. Curiosamente não achei nenhum coração. Quando escrevia meus
trabalhos escolares, gostava de consultar meus caderninhos e procurar alguma
poesia ou algum pensamento para introduzir os assuntos. Acho que essa sempre foi
a minha marca registrada, pois fiz isso até em minha dissertação de mestrado,
iniciada com “Os domínios do mistério
prometem as mais belas experiências. (Einstein). Mas, além da nostalgia que a presença daqueles souveniers do país dos tempos idos me provocaram, pus-me a refletir que hoje “O Pensador”
do Google tem todas as minhas anotações... Compartilhamos tantos pensamentos de
outros e pensamentos nossos que vejo que minhas cartas já não são mais minhas,
meus cadernos já não são mais privados, meus pensamentos já não são mais
meus... não há mais nada original, nem pecados... hoje tudo pertence ao “grande pensador”...
"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!"
(Eça de Queiroz - musicado por Arnaldo Antunes)
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