quinta-feira, 30 de maio de 2013

sentidos...

A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.
Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.
Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?
(Charles Chaplin)

em paz a sós...

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós


(Paulo Leminski)
 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

sensível mente...

"Sabe o que eu quero de verdade?! 
Jamais perder a sensibilidade, 
mesmo que às vezes ela arranhe um pouco a alma. 
Porque sem ela não poderia sentir a mim mesma..." 
(Clarice)

terça-feira, 21 de maio de 2013

... vem do Nada...

Quem és? Perguntei ao desejo.
                Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.


I
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


II

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.


III


Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.



IV

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.


        DA NOITE

III

Vem dos vales a voz. Do poço.
Dos penhascos. Vem funda e fria
Amolecida e terna, anêmonas que vi:
Corfu. No mar Egeu. Em Creta.
Vem revestida às vezes de aspereza
Vem com brilhos de dor e madrepérola
Mas ressoa cruel e abjeta
Se me proponho ouvir. Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos. Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos. Vem dos ressentimentos.
E sibilante e lisa
Se faz paixão, serpente, e nos habita.


IV

Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
Se digo que me vi em outras vidas
Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
Dirás que sonho uma rainha persa
Se digo que me vi dolente e inaudita
Entre amoras negras, nêsperas, sempre-vivas?
Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
E se te digo que estavas a meu lado
E eloqüente e amante e de palavras ávido
Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
Acorda Vida.



V

Águas. Onde só os tigres mitigam a sua sede.
Também eu em ti, feroz, encantoada
Atravessei as cercaduras raras
E me fiz máscara, mulher e conjetura.
Águas que não bebi. Crespusculares. Cavas.
Códigos que decifrei e onde me vi mil vezes
Inconexa, parca. Ah, toma-me de novo
Antiqüíssima, nova. Como se fosses o tigre
A beber daquelas águas.


VI

O que é a carne? O que é esse Isso
Que recobre o osso
Este novelo liso e convulso
Esta desordem de prazer e atrito
Este caos de dor dobre o pastoso.
A carne. Não sei este Isso.

O que é o osso? Este viço luzente
Desejoso de envoltório e terra.
Luzidio rosto.
Ossos. Carne. Dois Issos sem nome.


(Hilda Hilst)

segunda-feira, 20 de maio de 2013

alma despenada...

Socorro
Arnaldo Antunes

Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena, qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento, encruzilhada
Socorro! Eu já não sinto nada...

Socorro!
Não estou sentindo nada 
Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar
Nem de rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Eu Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate
Nem apanha
Por favor!
Uma emoção pequena qualquer coisa!
Qualquer coisa que se sinta...
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

sexta-feira, 17 de maio de 2013

inspirada mente...


calcanhar daquilo...

"Que flecha é aquela no calcanhar daquilo? Pela pena é persa, pela precisão do tiro - um mestre. Ora os mestres persas são sempre velhos. E mestre, persa e velho só pode ser Artaxerxes ou um irmão, ou um amigo, ou discípulo ou então simplesmente alguém que passava e atirou por despautério num momento gaudério de distração."
(Leminski)

... eterna mente...


Todos os dias quando acordo,
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo.
(Legião)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

... e Deus?!

...nada jamais fora tão acordado como seu corpo sem transpiração e seus olhos-diamantes, e de vibração parada. E o Deus? Não. Nem mesmo a angustia. O peito vazio, sem contração. Não havia grito.
(Clarice Lispector)

quarta-feira, 15 de maio de 2013

e ela acreditava, somente acreditava...

Em todo caso o futuro parecia vir a ser muito melhor. Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim. Mas não havia nela miséria humana. É que tinha em si mesma uma certa flor fresca. Pois, por estranho que pareça, ela acreditava. Era apenas fina matéria orgânica. Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro. Embora só tivesse nela a pequena flama indispensável: um sopro de vida.
(Clarice Lispector - A Hora da Estrela)

domingo, 12 de maio de 2013

sábado, 11 de maio de 2013

... purificação

 
... as sete cachoeiras e as bençãos de Oxum...

terça-feira, 7 de maio de 2013

... sim, é como a flor!

Sim, é como a flor
De água e ar luz e calor, o amor precisa para viver
De emoção, e de alegria, e tem que regar todo dia
No jardim da fé,
Eu já plantei um pé de esperança
No tempo do tempo,
Dia, chuva, vento e pensamento
Num jardim da vida
Já cresceu e é a consciência
Fruto da vivência é
É a consciência é
Sim, é como a flor...
(Semente do amor - A Cor do Som)

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Velvet...

I could sleep for a thousand years
A thousand dreams that would awake me
Different colors made of tears...
(Lou Reed)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

perdoa a si mesmo...

Naquele dia fazia um azul tão límpido,
meu Deus, 
que eu me sentia perdoado
pra sempre.
Nem sei de quê.
(Quintana)