domingo, 23 de setembro de 2012

cartas do tempo...

Falando sobre o tempo das cartas com uma amiga, ela lembrou-me também que antigamente nós copiávamos letras de músicas e inspirados, escrevíamos poesias "subversivas" e politizadas para os amigos. Rimos, porque fiz muito isso na minha vida. Contou-me que nessa época ela viveu uma história de amor muito bonita. E como eu adoro histórias de amor... Na adolescência ela teve uma relação de amizade muito peculiar com uma pessoa da cidade dela. Filha de uma família aristocrática do interior de São Paulo, a amizade com alguém de cor, filha de caminhoneiro, causou um frenesi na comunidade (obviamente preconceito de uma sociedade conservadora, mas deixemos essa pequenez de espírito para lá). A saída clichê encontrada pela família foi mandá-la estudar na Inglaterra e na França. Drama clássico de telenovela brasileira dos anos 80. Rimos tanto dessa história pequeno-burguesa. Fora do país, a “fidalga” descobriu o mundo e o submundo. Mas o interessante foi que, no tempo em que ela esteve ausente, a comunicação entre ela e a amizade plebéia não cessou. Ela recebeu uma carta por dia!... Quanto amor! Hoje estão todos os manuscritos carinhosamente guardados em um saco de tecido. No entanto, ao retornar para o Brasil, as coisas haviam mudado. Ela já não era a mesma. As expectativas e os sonhos também não eram os mesmos de antes da partida. A experiência estrangeira havia transformado a menina do interior em uma mulher moderna e urbana. A idéia de amor e de amizade tomou outras formas, outros viços e outras concepções... Hoje isso é uma lembrança terna. As cartas poderão um dia ser um rico material da história do cotidiano para um historiador do século XXII. É uma bela história de amor a ser contada no futuro... E a ela valeu a pena, pois a alma de minha amiga querida não é pequena...

 Escreve-me...

Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!" Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...
(Florbela Espanca)

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