sábado, 29 de setembro de 2012

a poesia nossa de cada dia...


Ontem, na hora do chá, eu e uma colega de trabalho conversamos sobre o perigo da leitura rápida de notícias, livros, mensagens, e-mails, postagens, dentre outros, que o mundo de hoje nos obriga a fazer. Manifestei minha preocupação sobre a falta de tempo que o cérebro humano tem em processar toda a avalanche de informação do nosso mundo contemporâneo. Citei casos de pessoas conhecidas minhas que lêem muito e muito rapidamente, mas que não absorvem nem a metade da informação que lêem. Ela, que é professora de línguas, indicou-me dois textos interessantíssimos a esse respeito: Vista cansada de Otto Lara Resende e O perigo da leitura excessiva de Arthur Schopenhauer, textos que me lembraram muito as reflexões de Walter Benjamin sobre a modernidade, onde há a perda do olhar. Otto Lara fala da banalização do olhar, de que olhamos o mundo a nossa volta, mas não o vemos. E se transpusermos essa abordagem para a leitura, percebemos quanta coisa lemos e não retemos. Quando lemos algo, precisamos processar a informação ou, como diz metaforicamente Schopenhauer, precisamos “ruminar” a coisa lida, refletir sobre ela.

O Perigo da Leitura Excessiva 
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte. Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo - como alguém que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível entregar-se aos seus próprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho, acaba por perder a sua elasticidade, também o espírito perde a sua devido à imposição contínua de pensamentos alheios. E, do mesmo modo como uma alimentação excessiva causa indigestão e, consequentemente, prejudica o corpo inteiro, pode-se também sobrecarregar e sufocar o espírito com uma alimentação mental excessiva.
Pois, quanto mais se lê, menos vestígios deixa no espírito aquilo que se leu: a mente transforma-se em algo semelhante a uma lousa, à qual encontram-se escritas muitas palavras, umas sobre as outras. Por isso, não se chega à ruminação (ou melhor, o afluxo intenso e contínuo do conteúdo de novas leituras serve apenas para acelerar o esquecimento do que se leu anteriormente): entretanto, apenas esta permite assimilar o que foi lido, do mesmo modo como os alimentos nos nutrem não porque os comemos, mas porque os digerimos. Se, ao contrário, lê-se continuadamente, sem mais tarde pensar a respeito do que se leu, o conteúdo da leitura não cria raízes e, na maioria das vezes, perde-se. Em geral, o processamento da alimentação mental não difere daquele da alimentação corporal: apenas a cinquentésima parte do que se consome chega a ser assimilada; o restante é eliminado por meio da evaporação, da respiração ou similares.
A tudo isso soma-se o facto de que os pensamentos transportados para o papel não são nada além de uma pegada na areia: pode-se até ver o caminho percorrido; no entanto, para saber o que tal pessoa viu ao caminhar, é preciso usar os próprios olhos.


Arthur Schopenhauer, in 'Da Leitura e dos Livros'
http://www.citador.pt/textos/o-perigo-da-leitura-excessiva-arthur-schopenhauer

Vivemos em uma época que tudo a nossa volta nos incentiva à leitura. O mercado editorial, por exemplo, movimenta bilhões de “dinheiros” no mundo inteiro. Nossas crianças e jovens, no entanto, dividem-se em dois grupos: os que lêem e os que não lêem. O grupo dos que não lêem é esmagadoramente maior e os que lêem, lêem mal. No mundo ocidental Harry Potter é mais lido que qualquer clássico, devorado pelas crianças que a cada lançamento querem dominar a trama. E Bram Stoker possivelmente teria uma síncope com o vampiro mocinho e quase vegetariano de Crepúsculo.
Tantas palavras, tantas sínteses, tanta informação, tanta releitura de clássicos. Lembro-me que uma vez minha professora de Teoria da História disse que hoje uma única revista Época traz muito mais informação do que um homem do século XIX poderia acumular em sua vida inteira. Assustador. Não sei sinceramente onde vamos parar, mas sei de um bom antídoto para desacelerar essa fome absurda que nossa sociedade tem por informação. É o remédio dos deuses que desde os tempos de Platão, inspirado pelas musas, cura os males da existência: a POESIA.
A poesia não poder ser lida rapidamente. Ela precisa ser pausada. Tem seu próprio ritmo. A poesia é portadora de diversos simbolismos que necessitam de uma interpretação. Às vezes não, às vezes são só palavras com as quais o poeta brinca, brinca de palavrear. A poesia toca o espírito de quem a lê. Deve ser degustada e deve embalar a alma do leitor. Dizem que um abraço por dia cura até câncer. E eu digo que uma poesia por dia alimenta e pode curar as dores da alma... a poesia salva!

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
(Mario Quintana)

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