sexta-feira, 15 de julho de 2011

... mas os anjos não têm sexo...

Cansada das conversas homofóbicas com justificativas bíblicas, resolvi produzir um texto sobre essa polêmica questão. Inicialmente pensei em fazer um texto curto, pois os longos ninguém lê. No entanto, fosse ele demasiado curto, seria certamente uma abordagem superficial, e, o que eu queria era ampliar o leque de possibilidades de entendimento ao meu leitor. Então, fui às fontes, como uma historiadora séria que sou, e recorri à uma pequena bibliografia. Portanto, esse meu texto não trata de “palavras jogadas ao vento”, é ele, antes de tudo, resultado de uma pequena pesquisa sobre o tema: homossexualidade...

Se entendermos a religião como um reflexo cultural de uma dada sociedade, poderemos compreender suas construções simbólicas. A idéia de uma “palavra sagrada”, descrita em textos muito antigos, guardada por sacerdotes, tem por função social normatizar a moral e os costumes de um povo numa determinada época. Exemplo disso, são os primeiros textos bíblicos que trazem as normas sociais e legislativas primitivas dos povos hebraicos, que refletem a crença na idéia de um Deus vingativo, vaidoso e cheio de ira. A medida que o tempo foi transcorrendo, os textos bíblicos posteriores ao Gênesis e ao Êxodo, passaram a refletir um Deus mais compreensivo, sábio e justo... até ele se tornar “humano”.

O fato é que os textos bíblicos não são os únicos textos sagrados, e nem tão pouco, os mais antigos que existem. Precedem a eles o Livro dos Mortos dos egípcios, os Vedas, os Tantras, os Puranas e o I Ching, escritos no Oriente, por exemplo. É importante lembrar também que os primeiros textos bíblicos foram legados pela tradição oral judaica, a Cabala (que significa exatamente isso: tradição oral, conhecimento ou sabedoria transmitida oralmente). Isso quer dizer que não podemos tomar a Bíblia como detentora da verdade absoluta e única verdade possível, até porque ela sofreu durante séculos um processo de acomodação de discursos, de tradução (que apenas aproxima o sentido das palavras e não as traduz em sua essência lingüística) e de manipulação por parte dos governantes no poder. Por mais que muitos evangélicos neguem e reneguem, a Bíblia, como nos chegou hoje, é um produto católico, que serviu à manutenção do poder da Igreja Católica por dois milênios. Muitos textos foram alterados, alguns foram retirados e outros foram anexados, formando o que conhecemos hoje como Bíblia, a referência da "palavra sagrada" no mundo Ocidental.

Alguns textos judaicos e gregos muito antigos que não fazem parte do rol bíblico, são considerados apócrifos, ainda que sejam tão ou mais antigos que eles. É o caso dos famosos manuscritos do Mar Morto nos quais temos um relato de como teria sido a infância de Jesus. O ponto que eu quero aqui primeiramente abordar é que dos chamados, entre os sábios, “textos sagrados”, existe um conjunto bíblio chamado Corpus Hermeticum, que se pretende muito antigo. Embora, não se saiba exatamente quando foi escrito, o original físico e palpável que nos chegou, data do século IV d.C., ou seja, é contemporâneo de muitos textos do Novo Testamento, como já comprovado por muitos historiadores. Frances Yates explica porque os primeiros séculos da era cristã foram tão prolíferos em “textos sagrados”. Ela atribui a farta produção aos cristãos gnósticos durante a Pax Romana. Além do Corpus Hermeticum, existe também um texto de Platão em O Banquete, intitulado O Andrógino, do século IV ANTES de Cristo, que nos traz outras possibilidades de interpretação a respeito da Criação, tratada no Gênesis bíblico.

O Corpus Hermeticum é formado por 21 textos, dentre eles Poimandres, Asclépios e a famosa Tábua de Esmeralda. Além deles, compõem também a Hermética, textos como o Picatrix e o Mutus Liber. O primeiro contribuição dos árabes nos estudos da Alquimia e o segundo, um livro que contém apenas imagens do processo da confecção da Grande Obra, ambos escritos por volta do século X da era cristã.

O Poimandres foi escrito em forma de diálogo entre Hermes e seu discípulo, estilo comum de escrita nos textos dos primeiros séculos da nossa era. Nele encontra-se uma passagem muito interessante sobre a Criação. Sabemos que os primeiros textos bíblicos têm pontos obscuros e deixam algumas lacunas. Isto acontece por ser um texto muito antigo e que se perpetuou pela tradição oral, sofrendo adaptações a que estão sujeitos os objetos de transmissão. Eis aqui alguns fragmentos de textos elucidativos que completam um ao outro em tema e antiguidade:

“1 No princípio criou Deus os céus e a terra. 2 E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. 3 E disse Deus: Haja luz; e houve luz. 4 E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. 5 E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. 6 E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. 7 E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi. 8 E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo. 9 E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi. (...) 21 Então Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; 22 E da costela que Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. 23 E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. 24 Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne. 25 E fez Deus as feras da terra conforme a sua espécie, e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. 26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. 27 E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. 28 E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.(...)”

Desnecessário escrever todo o Gênesis. Quem quiser é só pegar a Bíblia e conferir. O que pretendo mostrar é que no texto hermético, de antiguidade impossível de ser rastreada, encontra-se a seguinte passagem que fala da criação, de maneira um pouco mais detalhada que, aqui, editei:

9"Ora o Nöus* Deus, sendo macho e fêmea, existente como vida e luz, faz nascer uma palavra um segundo Nöus demiurgo que, sendo deus do fogo e do sopro, criou Sete Esferas, as quais envolvem nos seus círculos o mundo sensível; e seu governo se chama Destino. 10 Logo o Verbo de Deus lançou-se fora dos elementos postados embaixo para esta pura região da natureza que acabava de ser criada, e se uniu ao Nöus demiurgo (pois era de mesma substância) e, por esta razão, os elementos inferiores da natureza foram entregues a si próprios desprovidos de razão, de forma a nada mais que simples matéria. 11 Porém o Nöus demiurgo, conjuntamente com o Verbo, envolvendo os círculos e fazendo-os girar zumbindo, coloca desta forma em ação o movimento circular de suas criaturas, deixando-as fazer a sua revolução segundo um começo indeterminado até o término sem fim, pois começa onde se acaba. E nesta rotação dos círculos, segundo a vontade do Nöus, produziu, tirando-os dos elementos que se precipitavam para baixo, animais irracionais (pois não mantinham o Verbo próximo de si), o ar produziu os voláteis e a água, os nadadores. A água e a terra foram separadas uma da outra, segundo a vontade do Nöus, e a terra fez sair do seu próprio seio os animais que em si mesma retinha - quadrúpedes, répteis, bestas selvagens e domésticas. 12 Ora o Nöus, Pai e Mãe de todos os seres, sendo vida e luz, criou um ser humano semelhante a ele, pelo qual sentiu tanto amor como por um filho. Pois o ser humano era muito belo, reproduzido à imagem de seu Pai e Mãe: pois é verdadeiramente de sua própria forma que Deus tornou-se amoroso e legou-lhe todas as suas obras. (...) 14 Então o Homem, que tinha pleno poder sobre o mundo dos seres mortais e animais irracionais, lançou-se através da armadura das esferas e rompendo seu envoltório fez mostrar à Natureza de baixo, a bela forma de Deus. Quando ela o viu, o ser que possuía em si a beleza insuperável e todo a energia das esferas aliada à forma de Deus, a Natureza sorriu de amor, pois tinha visto os traços desta forma maravilhosamente bela do ser humano se refletir na água e sua sombra sobre a terra. Tendo ele percebido esta forma semelhante a ele próprio na Natureza, refletida na água, amou-a e quis aí habitar. Assim que o quis, foi feito e veio habitar a forma sem razão. Então a Natureza, tendo recebido nela seu amado, enlaçou-o totalmente e eles se uniram pois queimavam de amor. 15 E esta é a razão porque, de todos os seres que vivem sobre a terra, o ser humano é o único que é duplo, mortal pelo seu corpo, imortal pelo ser humano essencial. Ainda que seja imortal com efeito, e que tenha poder sobre todas as coisas, sofre a condição dos mortais, submetido como é ao Destino, por esta razão, assim que se colocou sob a armadura das esferas, tornou-se mortal; é o ser humano macho e fêmea, pois nascido de um Pai macho e fêmea. 16 (...) Poimandres: O que vou te dizer é o mistério oculto até esse dia: A Natureza com efeito, tendo-se unido por amor ao Homem, causou um prodígio surpreendente. O ser humano tinha em si a natureza da conjunção, dos sete compostos, como te disse, de fogo e de sopro; a Natureza então, incapaz de esperar, procria na hora sete homens correspondentes aos Sete Governadores das Esferas, machos e fêmeas, que elevam-se ao céu. (...) 17 Assim então, como eu dizia, a geração desses sete primeiros homens fez-se da seguinte maneira: feminina era a terra, a água elemento gerador, o fogo levava as coisas à maturidade, do éter a Natureza recebia o sopro vital e produziu os corpos segundo a forma Humana. Quanto ao Ser Humano, de vida e luz que era, transformou-se em alma e intelecto, a vida transformou-se em alma, a luz em intelecto. E todos os seres do mundo sensível permaneceram neste estado até o fim de um período e até o começo das espécies. 18 Escuta agora este ponto que queimas de impaciência por ouvir. Findo este período, o liame que unia todas as coisas foi rompido pela Vontade de Deus. Pois todos os animais que, até então, eram ao mesmo tempo machos e fêmeas, foram separados em dois ao mesmo que os Seres Humanos, e tornaram-se uns machos e outros fêmeas. Logo Deus disse uma palavra Santa: Crescei e multiplica-vos, vós todos, que fostes criados e feitos. E que aquele que possui o intelecto reconheça-se como imortal e que saiba que a causa da morte é o amor, e que conheça todos os seres. 19 Tendo Deus assim falado, a Providência por meio do Destino e da armadura das Esferas, opera as uniões e estabelece as gerações e todos os seres se multiplicaram cada um segundo sua espécie. (...)

O Andrógino de Platão é outro texto antigo que fala da questão do gênero, sobre as quais pensavam os gregos. O andrógino é uma criatura mítica proto-humana. Em O Banquete, Platão conta sobre esse discurso de Aristófanes que diz que para conhecer o poder do amor, é preciso antes conhecer a história da natureza humana e narra ele, o mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação. Segundo Aristófanes, havia inicialmente três gêneros de seres humanos, que eram duplos de si mesmos: havia o gênero Andros (masculino e masculino), o Gynos (feminino e feminino) e o Androgynos (masculino e feminino). Descreve ele que Andros seria uma entidade masculina composta de oito membros e duas cabeças, ambas masculinas. Gynos era uma entidade feminina, mas com características semelhantes. E Androgynos, composto por metade masculina e metade feminina, mais poderoso por conter o masculino e o feminino em si. Esses seres não estavam agradando aos deuses, que resolveram então, separá-los em dois. Seccionado Andros, originaram-se dois homens, que apesar de terem seus corpos separados, tinham suas almas ligadas, por isso ainda eram atraídos um pelo o outro. O mesmo ocorreu com Gynos e com Androgynos. Andros deu origem aos homens homossexuais, Gynos às lésbicas e Androgynos aos heterossexuais. Segundo Aristófanes, estavam então, divididos aos terços os heterossexuais e homossexuais sobre o mundo.

É então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós portanto uma metade complementar de um homem, porque cortado com os linguados, de um só em dois; e procura cada um o seu próprio complemento.

Assim, aqueles que foram um corte do andrógino, sejam homens ou mulheres, procuram o seu contrário. Isto explica o amor heterossexual. E aquelas que foram o corte da mulher, o mesmo ocorrendo com aqueles que são o corte do masculino, procurarão se unir ao seu igual. Aristófanes apresenta então uma explicação para o amor homossexual feminino e masculino. Quando estas metades se encontram, sentem as mais extraordinárias sensações, intimidade e amor, a ponto de não quererem mais se separar, e sentem vontade de "fundirem-se" novamente num só. Esse seria o nosso desejo ao encontramos a nossa “alma gêmea”. O amor para Aristófanes é, portanto, o desejo e a procura da metade perdida por causa da nossa injustiça contra os deuses. Complementando O Banquete chega Sócrates, que afirma que sendo o Amor, amor de algo, esse algo é por ele certamente desejado. Mas este objeto do amor só pode ser desejado quando lhe fala e não quando o possui, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais. “O que deseja, deseja aquilo de que é carente, sem o que não deseja, se não for carente”.

Ainda sobre os mitos sagrados de origem, da criação, do Gênesis... Quem estuda a Cabala sabe o quão importante é saber a origem dos nomes e das palavras. Se estamos falando de origem... falemos do primeiro “homem”, que deveria ser entendido como o primeiro “ser humano”, o primeiro ser humano integrado como masculino e feminino, e não somente homem macho. No Glossário Teosófico de Helena Blavatsky consta sobre “Adão”, o homem criado:

Adão (Hebr.) - Na Cabala, é o “único engendrado” e significa também “terra vermelha”. É quase idêntico ao Athamas ou Thomas e, em grego, é traduzido por Didumos, “o gêmeo”. Adão, “o primeiro” é “macho e fêmea”, no Capítulo I do Gênesis. “Adão celeste”: É a síntese da Árvore Sefiral ou de todas as Forças da Natureza e sua animadora essência deífica. Nos diagramas, o sétimo dos Sephiroth inferiores, Sephiroth Malkuth (o reino da harmonia) representa os pés do Macrocosmos ideal, cuja cabeça alcança a primeira. Cabeça manifestada. Este Adão celeste é o natura naturans o mundo abstrato, enquanto que Adão de terra (Humanidade) é o natura naturata ou Universo material. O primeiro é a presença da divindade em sua essência universal; o último é a manifestação da inteligência da referia essência. No Zohar genuíno (não é a fantástica e antropomórfica caricatura que, frequentemente, encontramos nos escritos dos cabalistas ocidentais) não há nenhuma partícula da divindade pessoal, que vemos destacar-se no negro disfarce da Sabedoria Secreta, conhecido pelo nome Pentateuco mosaico. Adão Kadmon (Hebr.) – O homem arquetipal; a Humanidade. O “homem celeste” que não caiu em pecado. Os cabalistas o relacionam aos dez Sephiroth no plano da percepção humana . É o Sephirah bissexual dos cabalistas. Na Kabalah, Adão Kadmon é o Logos manifestado. Em resumo, Adami Qadmon é o homem antes da queda e da separação de gênero.

Se compararmos os três textos (editados, é claro, pois colocá-los aqui, em sua íntegra, seria perda de tempo, quem se interessar e quiser ir a fundo na questão que os procure e os leia) e as sínteses de Helena Blavastky, veremos que eles são assombrosamente parecidos. Em suma, quando Deus criou o homem, Ele o criou à Sua imagem e semelhança, macho e fêmea ao mesmo tempo, pois Deus é macho e fêmea ou não poderia criar, este é o princípio do gênero e é também um dos axiomas herméticos fundamentais. “O Gênero está em tudo; tudo tem o seus princípio masculino e feminino; o Gênero se manifesta em todos os planos – O Caibalion”.

A palavra “gênero” deriva de raiz latina que significa gerar, procriar, produzir. “Gene”, vem de origem, início... criação, donde tem-se o livro do Gênesis, que narra a cosmogonia da origem de tudo, o mito. No Gênesis Eva é retirada da carne do próprio Adão, portanto, Adão continha Eva nele mesmo, continha o feminino. Era ele masculino e feminino e foi separado pela costela. No Poimandres o ser humano é macho e fêmea e um dia Deus resolveu separá-los: uns machos e outros fêmeas. Em Platão o mito da separação dos gêneros assume uma faceta ainda mais complexa. No entanto, essas histórias não são tão distantes assim. Há pontos em comum, embora narradas de diferentes maneiras. Se formos mais longe, veremos que os orientais, com a idéia do Yin e Yang, masculino e feminino como parte de um todo, são mais bem resolvidos quanto a essa questão. O ponto que eu quero focar é que em essência, todo ser humano contém em si o feminino e o masculino. E talvez aí esteja o germen da homossexualidade humana. Guardamos uma memória “hermafrodita” (falta-me aqui uma expressão mais adequada à idéia que quero compartilhar), contemos em nós os dois princípios masculino e feminino, uma vez que viemos de um pai e uma mãe, macho e fêmea e os dois estão contidos em nós (temos os olhos do nosso pai e a personalidade da nossa mãe, afinal somos uma mistura genética dos dois). O próprio Deus não pode ser destituído de seu caráter macho/fêmea, se ele é o Todo e contém em si Tudo, ele é por definição MACHO e FÊMEA, é Ele andrógeno por excelência. Não aceitar essa condição divina é negar a onipotência de Deus. No entanto, o amor a que estamos sujeitos não sofre esta dicotomia, pois ele não é composto por nenhuma substância de gênero e é sim um reflexo de nós no outro. Deus quando criou, amou a sua criação, por ser ela semelhante a ele. Assim como o primeiro homem (Adão Kadmon) que viu sua imagem refletida na água da Natureza amou a imagem de si mesmo também. Vendo Deus esse amor do homem por ele mesmo, e entendendo o que Ele sentiu pelo homem quando o criou resolveu o problema dividindo-o.... e a divisão em dois o fez procurar na sua outra metade (de ser humano) ele mesmo.

O objetivo desse meu texto controverso é abrir outras possibilidades de compreensão àqueles que confiam cegamente numa única possível verdade... Há outros pontos de vista, outras maneiras de entender o nosso mundo. O fato é que Deus nos criou originalmente “hermafroditas”, pois Deus é hermafrodita, pois Ele é o Todo e contém em si Tudo, e só pode criar porque é masculino e feminino, é o Todo e é Tudo . E em tempos homofóbicos, os fundamentalistas de plantão, que têm uma leitura rasa da Bíblia, e apenas da Bíblia, tentam provar que Deus condena a homossexualidade. Mas oras, Ele nos criou assim!!! Diz-se que não cai uma única folha de árvore que Deus não queira. E nada pode existir sem o consentimento Dele, nada!!!... então, se a homossexualidade existe, é porque Ele criou.

Nesse mundo pós-contemporâneo, é importante revermos nossos conceitos, repensarmos a nossa essência, revermos as nossas velhas verdades obsoletas... Para uma estudante de Alquimia como sou, sei que tudo está em constante transformação, pois está vivo, e o verdadeiro milagre conhecido dos velhos magos é adaptar a criação e assim transmutá-la.

Antes de me decidir por publicar esse texto uma mensagem chegou-me de um jeito inusitado: “Não atire pérolas aos porcos”. Ela me veio exatamente no dia em que comecei a escrevê-lo. Quase desisti de minha pequena empreitada. Mas depois de trocar algumas idéias com uma amiga querida e um amigo filósofo iluminado, decidi-me por publicá-lo sim. Poucas pessoas lêem esse meu blog. E depois, se algum inquisidor fora de época, quiser me levar para fogueira, meu recado é que eu já sei o que é ser carvão há muitas encarnações... disso eu já não tenho mais medo :) e como diria Rita Lee...

“nem toda feiticeira é corcunda,
nem toda brasileira é bunda,
meu peito não é de silicone,
sou mais macho que muito homem!"


*“Nous” é uma expressão grega que não possui uma transcrição direta para a língua portuguesa. Pode significar atividade do intelecto ou da razão em oposição aos sentidos materiais. Muitos autores atribuem como sinônimo à Nous os termos "Inteligência" ou "Pensamento". O significado ambíguo da palavra é resultado de sua constante apropriação por diversos filósofos, para denominar diferentes conceitos e idéias, dependendo do filósofo e do contexto. Por vezes pode-se entender como uma faculdade mental ou característica, outras vezes, como uma qualidade do universo ou de Deus. Homero usou a expressão nous como atividade mental. No período pré-Socrático o termo foi gradualmente atribuído ao saber e a razão, em contraste aos sentidos sensoriais. Anaxágoras descreveu nous como a força motriz que formou o mundo a partir do caos original, iniciando o desenvolvimento do cosmo. Platão definiu nous como a parte racional e imortal da alma. É o divino e atemporal pensamento no qual as grandes verdades e conclusões emergem imediatamente, sem necessidade de linguagem ou premissas preliminares, ou seja, faculdade pela qual se intui as idéias. Aristóteles associou nous ao intelecto, distinto de nossa percepção sensorial e graças ao qual reconhecemos as substâncias. Ele ainda dividiu-o entre nous ativo e passivo. O passivo é afetado pelo conhecimento. O ativo é a eterna primeira causa de todas as subseqüentes causas no mundo. E Plotino descreveu nous como uma das emanações do ser divino. Segundo Humberto Eco, no século II o Nous apresentou a faculdade da intuição mística, da iluminação não-racional, da visão instantânea e não-discursiva. “Hermes pergunta a Poimandro quem ele é, e Poimandro responde que ele é Nous, Mente.” A Ordem Rosacruz usa nous para descrever a força universal, cósmica, criativa, a energia que pode ser considerada como Mente ou energia psíquica, cósmica. Os escritos dizem que a Mente está sempre com o homem. Em outras palavras, o homem tem em seu interior a Mente Cósmica; ele nunca está separado dela. Síntese de: HERMES TRISMEGISTO. Ensinamentos Herméticos. Edição da Biblioteca Rosacruz, 2005; SADOUL, Jacques. O tesouro dos alquimistas. Brasília: Editora Unb. s/d. Acervo da Biblioteca da UnB.

Bibliografia:

- ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. SP: Cia. das Letras, 2008.

- BLAVATSKY, H. Glossário Teosófico. SP: Ed. Ground, 1995.

- __________, Síntese da Doutrina Secreta. SP: Ed. Pensamento, 1975.

- Bíblia Sagrada. Edição on-line.

- BOTTÉRO, Jean. O Nascimento de Deus: a Bíblia e o historiador. RJ: Ed. Paz e Terra, 1993.

- FRIEDMAN, Richard Elliott. O desaparecimento de Deus: um mistério divino. RJ: Ed. Imago, 1997.

- TRÊS INICIANDOS. O Caibalion. SP: Ed. Pensamento, 2008.

- TRICCA, Maria Helena de Oliveira. Apócrifos: os proscritos da Bíblia. SP: Ed. Mercuryo, 1989.

- WILSON, Edmund. Os Manuscritos do Mar Morto. SP: Cia das Letras, 1993.

- YATES, F. A. O Iluminismo Rosa-Cruz. SP: Ed. Cultrix Pensamento. 1972.

- _____, Giordano Bruno e a tradição hermética. SP: Ed. Cultrix. 1964.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Eu acredito em anjos, e porque acredito, eles existem...

Quem me conhece sabe que há muito cultivo uma paixão por tatuagens, Chagall e pelos anjos. Destes, coleciono imagens, livros, histórias, e, para melhor conhecê-los e compreendê-los, passei a estudar a Cabala. Quando escolhi o nome dos meus filhos, foi neles que pensei. Sem me dar conta, acabei construindo uma família de anjos. Gerei um Gabriel, casei com um Rafael, e, se Sofia fosse um menino, teria sido Uriel. Não existem anjos com nomes femininos na Cabala. Sofia é a sabedoria que inspira os anjos. E eu sou Ariete, uma variação de Ariel, um pequeno Ariel.

Hoje meu anjo Gabriel completa 16 anos. Um filho que só me dá alegrias e me enche de orgulho. Nasceu no mesmo dia que Marc Chagall, 07 de julho. Com seus lindos olhos azuis e seus cabelos encaracolados, o Gabe é um “nerdanjo”. Desde pequeno, sempre se destacou na escola por seu raciocínio lógico e rápido. De tudo queria saber o porquê, fazendo jus à música “well, well, well Gabriel”. Adora ler. Cansei de flagrá-lo na cama, às seis da manhã, devorando o livro ganho no dia anterior. Nos primeiros tempos de Brasília, quando nos encontrávamos com Tio Valmir e Tia Sônia às sextas-feiras no shopping para confraternizarmos em torno de uma cervejinha, ele ia para a livraria, onde dava continuidade à leitura de algum livro, sem nem mesmo comprá-lo. Marcava até a página onde havia parado. Na escola, tem uma bolsa por seu bom desempenho, ajuda os colegas nas dificuldades e é um piadista espirituoso. Joga xadrez, faz Escola de Música e atualmente é baixista de uma banda de rock de nome sugestivo “Mind Destroyers Corporation”. Apropriou-se dos meus velhos CD’s e vez por outra, fuça as minhas estantes de livros a procura de algo que o interesse. Como músico, gosta de todo tipo de música e não tem preconceitos. Embora tenha crescido ouvindo Ramones, teve sua fase Iron e Ozzy. Gosta de rock progressivo, de Frank Zappa a Adoniran Barbosa, Chico Science, Nirvana e curte o som de um tal “Damião Experiença”. Lê Aldous Huxley, Julio Verne e Hemingway. Gosta das poesias do Edgar Allan Poe, do Baudelaire e de um poeta do século XVI (que eu desconhecia), Robert Herrick. Lê também os Beatniks, presentes dados por mim, pois penso eu que a literatura nos propicia experiências que não precisam ser vividas... o ato da leitura já é a experiência... é a magia dos livros!

São muitas as suas histórias, mas a sua mais recente observação tocante foi dizer “mãe, quando eu começar um estágio, com o primeiro salário, quero pagar uma conta aqui de casa”. Fiquei visivelmente surpresa com a conversa e ele completou “depois de tudo que vocês fazem por mim, é o mínimo que eu devo fazer, né?!”. Essa consciência de vida e das coisas é uma dádiva. Quando ele tinha 4 aninhos ele disse algo semelhante sobre um trabalho da escola de Dia das Mães: “mãe, vou trabalhar, vou dar muitas aulas, ganhar muitos dólares e vou comprar um vestido lindo para você”. Acho que, por ele me ver só trabalhando, sempre de preto, de calça jeans, tênis e camiseta, pensou em me presentear com algo mais “feminino”.

Ele e Sofia são muito companheiros um com o outro, raramente brigam e são mais do que irmãos, são amigos e cúmplices. O Gabe é o herói da Sofia e a Sofia é a inspiração do Gabe. Acredito que os filhos, inevitavelmente, sejam um reflexo dos pais. Ambos são pessoas que se preocupam com o meio ambiente e com os animais. São comedidos no consumo e solidários com os amigos. Assim como o pai e a mãe, adoram fazer uma piada (o sarcasmo aqui em casa é herança genética)... e dizem muitos “são muito educados” e espirituosos. Quem diria que aquela velha punk daria uma boa educação aos seus rebentos hein?!

I've seen your face a thousand times

Everyday we've been apart

I don't care about the sunshine, yeah

'Cause Mama, Mama, I'm coming home

I'm coming home

(Ozzy)

Anjo filho, você sempre poderá voltar para casa...

domingo, 3 de julho de 2011

Quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz

Do mundo virtual ao espiritual


Frei Beto 06-Jun-2008


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: ‘Qual dos dois modelos produz felicidade?’

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: ‘Não foi à aula?’ Ela respondeu: ‘Não, tenho aula à tarde’. Comemorei: ‘Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde’. ‘Não’, retrucou ela, ‘tenho tanta coisa de manhã…’ ‘Que tanta coisa?’, perguntei. ‘Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina’, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: ‘Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’

Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: ‘Como estava o defunto?’. ‘Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!’ Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…

A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil – com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos.

A palavra hoje é ‘entretenimento’ ; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: ‘Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!’ O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su­gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade – a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas…

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno… Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald’s…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: ‘Estou apenas fazendo um passeio socrático.’ Diante de seus olhares espantados, explico: ‘Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: ‘Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.’