quarta-feira, 26 de setembro de 2012

o poeta diz o sagrado...

Safo

Jean-Luc Nancy definiu a poesia como algo que se estende para além de seus gêneros tradicionais em direção a um “acesso de sentido”: a poesia como algo que “articula o sentido”. “O poema extrai o acesso de uma antiguidade imemorial, que nada deve à reminiscência de uma idealidade, mas é a exata existência atual, do infinito, o seu retorno eterno.” A definição de Nancy ecoa outra oferecida pelo poeta Karl Shapiro “Eu preferiria designar a palavra poesia como ‘não palavra’ (...) um poema é uma construção literária composta por ‘não palavras’ que, tomando distância do sentido, alcançam por meio da prosódia um sentido-além-do-sentido. Não se sabe qual é o fim de um poema.” (...) Diz Maurice Blanchot sobre Rilke:

Se o poeta é verdadeiramente ligado a esta aceitação sem escolhas e que busca seu ponto de partida, não nesta ou naquela coisa, mas em todas e, mais profundamente, para além delas, na indeterminação do ser; se ele deve se colocar no ponto de intersecção de relações infinitas, lugar aberto e como que nulo onde se entrecruzam os destinos estrangeiros, então ele pode muito bem dizer alegremente que torna seu ponto de partida nas coisas: o que ele chama “coisas” não é mais do que a profundeza do imediato e do indeterminado, e o que ele chama de “ponto de partida” é a aproximação deste ponto onde nada se inicia, é a tensão de um iniciar infinito – a arte ela própria como origem, ou ainda como experiência do Aberto, a busca de um morrer verdadeiro.
(L’Espace littéraire, p. 200)

(...) A indigência da época de Rilke é a morte de Deus, onde, no dizer de Heidegger “os mortais não têm mais a posse de sua essência”, e cabe a palavra do poeta cantador “reter ainda o vestígio do sagrado. Ser poeta em tempos de miséria, é estar atento aos vestígios dos deuses desaparecidos. Eis por que, nos tempos da noite do mundo, o poeta diz o sagrado.

CESARINO, Pedro de Niemeyer. Oniska: poética do xamanismo na Amazônia. SP: Perspectiva, Fapesp, 2011. P. 132 – 133)

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
(Mario Quintana)

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