Safo
Jean-Luc
Nancy definiu a poesia como algo que se estende para além de seus gêneros
tradicionais em direção a um “acesso de sentido”: a poesia como algo que
“articula o sentido”. “O poema extrai o acesso de uma antiguidade imemorial,
que nada deve à reminiscência de uma idealidade, mas é a exata existência
atual, do infinito, o seu retorno eterno.” A definição de Nancy ecoa outra
oferecida pelo poeta Karl Shapiro “Eu preferiria designar a palavra poesia como
‘não palavra’ (...) um poema é uma construção literária composta por ‘não
palavras’ que, tomando distância do sentido, alcançam por meio da prosódia um
sentido-além-do-sentido. Não se sabe qual é o fim de um poema.” (...) Diz
Maurice Blanchot sobre Rilke:
Se o poeta é verdadeiramente ligado a esta
aceitação sem escolhas e que busca seu ponto de partida, não nesta ou naquela
coisa, mas em todas e, mais profundamente, para além delas, na indeterminação
do ser; se ele deve se colocar no ponto de intersecção de relações infinitas,
lugar aberto e como que nulo onde se entrecruzam os destinos estrangeiros,
então ele pode muito bem dizer alegremente que torna seu ponto de partida nas
coisas: o que ele chama “coisas” não é mais do que a profundeza do imediato e
do indeterminado, e o que ele chama de “ponto de partida” é a aproximação deste
ponto onde nada se inicia, é a tensão de um iniciar infinito – a arte ela
própria como origem, ou ainda como experiência do Aberto, a busca de um morrer
verdadeiro.
(L’Espace
littéraire, p. 200)
(...)
A indigência da época de Rilke é a morte de Deus, onde, no dizer de Heidegger
“os mortais não têm mais a posse de sua essência”, e cabe a palavra do poeta
cantador “reter ainda o vestígio do sagrado. Ser poeta em tempos de miséria, é
estar atento aos vestígios dos deuses desaparecidos. Eis por que, nos tempos da
noite do mundo, o poeta diz o sagrado.
CESARINO,
Pedro de Niemeyer. Oniska: poética do
xamanismo na Amazônia. SP: Perspectiva, Fapesp, 2011. P. 132 – 133)
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
(Mario Quintana)
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