Na última sexta-feira fui a um jantar de confraternização com o pessoal da minha turma de yoga. Todos ali professam algum tipo de crença mística, lêem autores esoteristas e manifestam algum sentido espiritualista em suas vidas. Laurinha, uma de minhas colegas, a certa altura da conversa citou Rudolf Steiner, pai da Antroposofia, que disse certa vez que as "borboletas são flores que se desprendem da terra, e que as flores são borboletas que a terra apreendeu“... depois da citação, Laurinha, virou-se para mim e perguntou: "... e você, Ariete, é uma borboleta ou uma flor?"
Reflexões sobre a história, a ciência, a espiritualidade humana e poesia, que faz bem à alma...
domingo, 30 de setembro de 2012
... voz do silêncio...
A revelação do abismo
O silêncio fala em ondas vivas
Que se projetam no oco da penumbra
No além veste branco
Da neutra pluralidade sentida
E os anjos que estão perto
Governam as sedas
Sentimentos puros
Sobrevividos.
(Maria Augusta Alves Pimenta - 30/07/91)
sábado, 29 de setembro de 2012
a poesia nossa de cada dia...
Ontem, na hora do chá, eu e uma colega de trabalho
conversamos sobre o perigo da leitura rápida de notícias, livros, mensagens,
e-mails, postagens, dentre outros, que o
mundo de hoje nos obriga a fazer. Manifestei minha preocupação sobre a falta de
tempo que o cérebro humano tem em processar toda a avalanche de informação do
nosso mundo contemporâneo. Citei casos de pessoas conhecidas minhas que lêem
muito e muito rapidamente, mas que não absorvem nem a metade da informação que lêem. Ela, que é professora de línguas, indicou-me
dois textos interessantíssimos a esse respeito: Vista cansada de Otto Lara
Resende e O perigo da leitura excessiva de Arthur Schopenhauer, textos que me
lembraram muito as reflexões de Walter Benjamin sobre a modernidade, onde há a
perda do olhar. Otto Lara fala da banalização do olhar, de que olhamos o mundo
a nossa volta, mas não o vemos. E se transpusermos essa abordagem para a
leitura, percebemos quanta coisa lemos e não retemos. Quando lemos algo,
precisamos processar a informação ou, como diz metaforicamente Schopenhauer,
precisamos “ruminar” a coisa lida, refletir sobre ela.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho, acaba por perder a sua elasticidade, também o espírito perde a sua devido à imposição contínua de pensamentos alheios. E, do mesmo modo como uma alimentação excessiva causa indigestão e, consequentemente, prejudica o corpo inteiro, pode-se também sobrecarregar e sufocar o espírito com uma alimentação mental excessiva.
Pois, quanto mais se lê, menos vestígios deixa no espírito aquilo que se leu: a mente transforma-se em algo semelhante a uma lousa, à qual encontram-se escritas muitas palavras, umas sobre as outras. Por isso, não se chega à ruminação (ou melhor, o afluxo intenso e contínuo do conteúdo de novas leituras serve apenas para acelerar o esquecimento do que se leu anteriormente): entretanto, apenas esta permite assimilar o que foi lido, do mesmo modo como os alimentos nos nutrem não porque os comemos, mas porque os digerimos. Se, ao contrário, lê-se continuadamente, sem mais tarde pensar a respeito do que se leu, o conteúdo da leitura não cria raízes e, na maioria das vezes, perde-se. Em geral, o processamento da alimentação mental não difere daquele da alimentação corporal: apenas a cinquentésima parte do que se consome chega a ser assimilada; o restante é eliminado por meio da evaporação, da respiração ou similares.
A tudo isso soma-se o facto de que os pensamentos transportados para o papel não são nada além de uma pegada na areia: pode-se até ver o caminho percorrido; no entanto, para saber o que tal pessoa viu ao caminhar, é preciso usar os próprios olhos.
Arthur Schopenhauer, in 'Da Leitura e dos Livros'
Vivemos em uma época que tudo a nossa volta nos incentiva à leitura. O mercado editorial, por exemplo, movimenta bilhões de “dinheiros” no mundo inteiro. Nossas crianças e jovens, no entanto, dividem-se em dois grupos: os que lêem e os que não lêem. O grupo dos que não lêem é esmagadoramente maior e os que lêem, lêem mal. No mundo ocidental Harry Potter é mais lido que qualquer clássico, devorado pelas crianças que a cada lançamento querem dominar a trama. E Bram Stoker possivelmente teria uma síncope com o vampiro mocinho e quase vegetariano de Crepúsculo.
O Perigo da Leitura Excessiva
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte. Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo - como alguém que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível entregar-se aos seus próprios pensamentos.No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho, acaba por perder a sua elasticidade, também o espírito perde a sua devido à imposição contínua de pensamentos alheios. E, do mesmo modo como uma alimentação excessiva causa indigestão e, consequentemente, prejudica o corpo inteiro, pode-se também sobrecarregar e sufocar o espírito com uma alimentação mental excessiva.
Pois, quanto mais se lê, menos vestígios deixa no espírito aquilo que se leu: a mente transforma-se em algo semelhante a uma lousa, à qual encontram-se escritas muitas palavras, umas sobre as outras. Por isso, não se chega à ruminação (ou melhor, o afluxo intenso e contínuo do conteúdo de novas leituras serve apenas para acelerar o esquecimento do que se leu anteriormente): entretanto, apenas esta permite assimilar o que foi lido, do mesmo modo como os alimentos nos nutrem não porque os comemos, mas porque os digerimos. Se, ao contrário, lê-se continuadamente, sem mais tarde pensar a respeito do que se leu, o conteúdo da leitura não cria raízes e, na maioria das vezes, perde-se. Em geral, o processamento da alimentação mental não difere daquele da alimentação corporal: apenas a cinquentésima parte do que se consome chega a ser assimilada; o restante é eliminado por meio da evaporação, da respiração ou similares.
A tudo isso soma-se o facto de que os pensamentos transportados para o papel não são nada além de uma pegada na areia: pode-se até ver o caminho percorrido; no entanto, para saber o que tal pessoa viu ao caminhar, é preciso usar os próprios olhos.
Arthur Schopenhauer, in 'Da Leitura e dos Livros'
http://www.citador.pt/textos/o-perigo-da-leitura-excessiva-arthur-schopenhauer
Vivemos em uma época que tudo a nossa volta nos incentiva à leitura. O mercado editorial, por exemplo, movimenta bilhões de “dinheiros” no mundo inteiro. Nossas crianças e jovens, no entanto, dividem-se em dois grupos: os que lêem e os que não lêem. O grupo dos que não lêem é esmagadoramente maior e os que lêem, lêem mal. No mundo ocidental Harry Potter é mais lido que qualquer clássico, devorado pelas crianças que a cada lançamento querem dominar a trama. E Bram Stoker possivelmente teria uma síncope com o vampiro mocinho e quase vegetariano de Crepúsculo.
Tantas palavras, tantas sínteses, tanta informação, tanta releitura de clássicos.
Lembro-me que uma vez minha professora de Teoria da História disse que hoje uma
única revista Época traz muito mais informação do que um homem do século XIX
poderia acumular em sua vida inteira. Assustador. Não sei sinceramente onde vamos parar,
mas sei de um bom antídoto para desacelerar essa fome absurda que nossa sociedade tem por informação. É o remédio dos deuses que desde os
tempos de Platão, inspirado pelas musas, cura os males da existência: a POESIA.
A poesia não poder ser lida rapidamente. Ela precisa ser pausada. Tem seu próprio ritmo. A poesia é portadora de diversos simbolismos que necessitam de uma interpretação. Às vezes não, às vezes são só palavras com as quais o poeta brinca, brinca de palavrear. A poesia toca o espírito de quem a lê. Deve ser degustada e deve embalar a alma do leitor. Dizem que um abraço por dia cura até câncer. E eu digo que uma poesia por dia alimenta e pode curar as dores da alma... a poesia salva!
A poesia não poder ser lida rapidamente. Ela precisa ser pausada. Tem seu próprio ritmo. A poesia é portadora de diversos simbolismos que necessitam de uma interpretação. Às vezes não, às vezes são só palavras com as quais o poeta brinca, brinca de palavrear. A poesia toca o espírito de quem a lê. Deve ser degustada e deve embalar a alma do leitor. Dizem que um abraço por dia cura até câncer. E eu digo que uma poesia por dia alimenta e pode curar as dores da alma... a poesia salva!
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
(Mario Quintana)
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
(Mario Quintana)
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
... paciência e serenidade
O verdadeiro alquimista persevera entusiasticamente em sua obra...
Tu separarás a terra do fogo e o sutil do espesso,
docemente, com grande desvelo.
Pois Ele ascende da terra e descende do céu
e recebe a força das coisas superiores
e das coisas inferiores.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
ali se aparece...
Ali
ali
só
ali
se
se alice
ali se visse
quanto alice viu
e não disse
se ali
ali se dissesse
quanta palavra
veio e não desce
ali
bem ali
dentro da alice
só alice
com alice
ali se parece
(Paulo Leminski)
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
mundos...
Prazer Amelie Poulain do dia: uma querida amiga me enviou de Bangkok o filme... The secret world of Arrietty. Fiquei emocionada com a sensibilidade de mandar algo tão delicado. "O que não falta ao louco são mundos..."
... água viva...
Minha
verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia. Agora sei: sou
só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.
Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a
minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou
só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor.
E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para
viver...
(Clarice Lispector -
Água Viva)
o poeta diz o sagrado...
Safo
Jean-Luc
Nancy definiu a poesia como algo que se estende para além de seus gêneros
tradicionais em direção a um “acesso de sentido”: a poesia como algo que
“articula o sentido”. “O poema extrai o acesso de uma antiguidade imemorial,
que nada deve à reminiscência de uma idealidade, mas é a exata existência
atual, do infinito, o seu retorno eterno.” A definição de Nancy ecoa outra
oferecida pelo poeta Karl Shapiro “Eu preferiria designar a palavra poesia como
‘não palavra’ (...) um poema é uma construção literária composta por ‘não
palavras’ que, tomando distância do sentido, alcançam por meio da prosódia um
sentido-além-do-sentido. Não se sabe qual é o fim de um poema.” (...) Diz
Maurice Blanchot sobre Rilke:
Se o poeta é verdadeiramente ligado a esta
aceitação sem escolhas e que busca seu ponto de partida, não nesta ou naquela
coisa, mas em todas e, mais profundamente, para além delas, na indeterminação
do ser; se ele deve se colocar no ponto de intersecção de relações infinitas,
lugar aberto e como que nulo onde se entrecruzam os destinos estrangeiros,
então ele pode muito bem dizer alegremente que torna seu ponto de partida nas
coisas: o que ele chama “coisas” não é mais do que a profundeza do imediato e
do indeterminado, e o que ele chama de “ponto de partida” é a aproximação deste
ponto onde nada se inicia, é a tensão de um iniciar infinito – a arte ela
própria como origem, ou ainda como experiência do Aberto, a busca de um morrer
verdadeiro.
(L’Espace
littéraire, p. 200)
(...)
A indigência da época de Rilke é a morte de Deus, onde, no dizer de Heidegger
“os mortais não têm mais a posse de sua essência”, e cabe a palavra do poeta
cantador “reter ainda o vestígio do sagrado. Ser poeta em tempos de miséria, é
estar atento aos vestígios dos deuses desaparecidos. Eis por que, nos tempos da
noite do mundo, o poeta diz o sagrado.
CESARINO,
Pedro de Niemeyer. Oniska: poética do
xamanismo na Amazônia. SP: Perspectiva, Fapesp, 2011. P. 132 – 133)
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma
... e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
(Mario Quintana)
... interpretações...
Se alguém te perguntar o quiseste dizer com um poema,
pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo...
(Mario Quintana)
terça-feira, 25 de setembro de 2012
novo amor...
Sempre
busco novos amores, pois o amor é o que dá sentido à vida. Significa que estou
sempre enamorada de algum escritor, poeta ou poetisa. Alguns estão vivos e
muitos já morreram. Não sei se gosto mais do sentimento do poeta ou da palavra escrita.
Acho que, talvez, uma coisa não exista sem outra. Confesso que facilmente me
encanto com uma rima singela, pois gosto da simplicidade de espírito e da
pureza das palavras. E é certo que, por vezes, pequenos versos funcionam para
mim como afrodisíacos. Eles nem precisam ser ditos pelo poeta que os escreveu,
podem ser palavras emprestadas, não importa, pois entendo que a poesia não é a
palavra em si, e sim o sentimento que ela tenta expressar. Recentemente, venho
lendo muita coisa do Mário Quintana, o anjo poeta. E eu, que não posso ver uma
asa, nem sabia que ele assim era chamado. Vi algumas entrevistas, li algumas
coisas, muitos pensamentos e poesias e, tão logo me dei conta, estava eu a
admirá-lo. Ele realmente parecia um anjo. Mesmo já velhinho, como na foto,
conservou uma aura alegre, leve, serena, um semblante de quem teve entusiasmo por cada
segundo de vida. O que não significa dizer que ele não tenha tido seus momentos
melancólicos, todo poeta tem. Ele mesmo disse que “a melancolia é uma maneira
romântica de se ficar triste”. Em cada palavra que leio de sua vida e obra reconheço
nele a essência da natureza do que são feitos os seres angelicais... e sim...
me amarro numa pena que escreva um poema...
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
(Mario Quintana)
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