Recentemente fiz uma viagem a Buenos Aires, uma cidade não muito apropriada para pessoas melancólicas e solitárias como eu. Era uma viagem que eu queria fazer sozinha... Fui no dia 30 de outubro, passei o dia das bruxas, o dia de todos os santos e o dia dos mortos. Me programei para ir àquela bela livraria do teatro, ver sebos, museus e ir ao cemitério. Coisa de historiador livreiro. Mas choveu todos os dias... olhando as ruas, parecia que elas choravam, parecia que os prédios choravam, as árvores choravam, as janelas choravam...
No dia que tentei conhecer a Praça Rosada choveu e ventou muito... nesse dia chorei de frio... me refugiei no Museu Bicentenário... Almocei por lá: ensalada e vinho... Como ainda chovia, sentei para ver um filme sobre as mães da Praça de Maio... chorei mais ainda... chorei por mim, pela minha mãe que está muito doente, pelas mães argentinas, pelo clima pós eleição tenso no Brasil com gente pedindo a volta da ditadura...chorei... chorei... chorei.
No domingo pela manhã fui à feira de San Telmo, mesmo com chuva... Não consegui ver nada e de novo me refugiei num lugar quente: um café... Ali eu passei a manhã, li um livro que eu tinha comprado no aeroporto, A maçã envenenada, que fala dos sentimentos solitários e sombrios da geração perdida que curtiu Nirvana nos anos 90, uma identificação com aquilo que fui e talvez ainda seja. Depois fui ao cemitério da Recoleta, queria ver os anjos que ali guardam as memórias. Era dia dos mortos e ainda chovia, chovia muito... Mas mesmo assim, com um guarda-chuva, caminhei por entre os túmulos. Visitei o túmulo de Evita, curiosamente tão simples naquele imponente jardim de almas. Por causa da chuva, os anjos que decoravam as tumbas pareciam estar chorando... Tudo a minha volta chorava, eu, o dia, o tempo, os anjos, a eternidade... Levei um vestido, o meu mais belo vestido. Quis deixar ali o que eu tinha de mais bonito, o símbolo máximo do que poderia ser a materialidade de um sentimento: um exercício de desapego. Cantei, chorei, enxuguei as lágrimas no vestido, cantarolei por entre os túmulos, acho que cantei toda a minha dor... queria que ela ficasse ali, com todas as minhas frustrações, os meus arrependimentos, as ilusões e desilusões, as saudades daqueles que partiram para longe, saudades daqueles que partiram para não mais voltar, os meus desamores, os sentimentos platônicos e a saudade de um tempo que nunca foi. Yo estaba bien por un tiempo, volviendo a sonreír, Luego anoche te vi, tu mano me tocó, y el saludo de tu voz, Y hablé muy bien de tu, sin saber que he estado llorando por tu amor. Em espanhol, porque eu sou uma leonina dramática... Pedi licença aos que repousam e depositei o vestido numa tumba, já tomada por uma vegetação e abandonada pelo tempo, tempo de que não se tem memória... Devo ter ficado umas 3 horas chorando na chuva. Depois saí do cemitério e entrei em um restaurante, tomei mais vinho e até comi de verdade: cogumelos com queijo. E eis que começou a tocar exatamente a música que eu cantei para esquecer... como se um fantasma me perseguisse... e insistisse em se alimentar das minhas lágrimas... se é Deus, ou os anjos, ou a minha própria mente que faz isso, eu não sei... realmente não sei explicar... mas creio que ali deixei o que queria deixar...
Quanto aos mortos, a eles vivo e dedico todo o meu trabalho... me sinto bem entre eles... posso ouvi-los... e dou-lhes voz... e eles sempre choram aquilo que não conseguiram dizer... Walter Benjamin diz que são os historiadores que os redimem... pois escrever sobre os mortos é sempre um ato de redenção...
Para 2015, estou com viagem programada para o día de los muertos para o México, mas lá será festa... quero festejar com os mortos e não mais chorar por eles...
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