quarta-feira, 20 de junho de 2012

... pelas musas...


"Pelas musas comecemos a cantar".

Era assim que se iniciavam os cânticos de Hesíodo, evocando a força numinosa das musas para a beleza do verbo, tornando a pronúncia da palavra um ato sagrado. E é assim que considero tudo que é escrito e pronunciado: belo e sagrado.

Mas entre o sagrado e o profano está o discurso do mortal, ou o discurso, por ele mesmo, mortal.
Não existem discursos neutros, já diziam os sábios da palavra. Quem escreve pretende convencer alguém de algo, pretende passar uma mensagem. Mas no mundo do discurso escrito, o que é mais importante, a mensagem ou o texto que a informa?
Escrever um texto é, antes de tudo, um ato de coragem, pois ao submenter um texto a um leitor, que é necessariamente um crítico, seja da mensagem passada, ou do estilo de escrita do autor, está o autor submentendo a sua pequena criatura a um julgamento. Escrever um texto é, portanto, um ato de bravura, uma aventura pelos labirintos gramaticais, em um mundo de sujeitos e predicados, de pausas "virgulares", sempre em uma hercúlea tentativa de evitar os "monstruosos" equívocos de linguagem, armadilhas ortográficas e erros de conjugação das mil possibilidades de tempos verbais. Escrever um texto acadêmico então, nem se fala, é um desafio ainda maior, pois deve-se submetê-lo a um tribunal que o julgará e o sentenciará.
Mas deixando o julgamento de lado, muito mais que uma escritora, sou uma leitora. Amo o universo da palavra escrita. Admiro os bons escritores e amo os poetas por sua capacidade de transformar palavras em delícias em letras. Eu gosto mesmo é de ler! Diz-se que um bom escritor, é necessariamente um grande leitor. Não sei até que ponto isso é verdade. Leio muito, bem mais do que a média dos humanos bem informados, no entanto, não me considero uma boa escritora, embora eu tente ser tenho a humildade de reconhecer que não sou.
O que tanto admiro no bom autor é a habilidade de passar uma idéia para o papel, ou pós-modernamente falando, para a tela de computador, isso é uma coisa difícil, visto que, a organização mental de cada um obedece a padrões de lógica lingüísticas muito diferentes. Entra nessa dinâmica também, a expressão individual, os estilos de fala em primeira, segunda ou terceita pessoa, e claro, o tema abordado. O fato é que no mundo pós-defesa, descobri que sou uma leitora amante da palavra escrita e falada de maneira charmosa, sedutora e inteligente. Admiro e invejo (inveja boa!) aqueles que conseguem ser bons escritores (e também bons "faladores"), que passam sua mensagem de um jeito elegante, simples, fruto da postura de verdadeiros diplomatas da palavra. E acho "uoh" as grosserias discursivas ou as críticas cruéis.
Mas, achando-me uma boa leitora e não necessariamente uma boa escritora, seria eu uma boa crítica dos textos que leio? Sarcática por ideologia, devo dizer que possivelmente não, faltaria-me o tempero essencial ao bom crítico. Explico aqui com uma analogia: diz-se que o bom crítico de cinema é o sujeito frustrado que não conseguiu ser diretor, para se auto-afirmar ele é então arrogante em suas opiniões que são gentilmente chamadas por nós de "críticas".
É inegável que, para àqueles que gostam da palavra escrita ou falada, há sedução nos caminhos do discurso proferido. O que são os textos de Walter Benjamim senão um obra de arte em palavras? O que são as poesias de Baudelaire senão bálsamos em verso e prosa. Talvez estes não sejam bons exemplos, já que deles li apenas traduções. Aqui entramos em uma outra dimensão da palavra, a tradução ou aproximação, pois o tradutor cria um "sobretexto" e a tradução, como afirma Umberto Eco, é quase a mesma coisa. Poderia citar a beleza dos textos de Saramago, da sensibilidade do Fernando Pessoa, ou ainda o nosso irônico Machado, o ácido Graciliano e o meu poeta paranaense preferido, Leminski. Pois é, cá estou numa auto-análise de como lido com as palavras. Não sei se amo mais o discurso do que a mensagem do autor, ou amo mais a sensibilidade do poeta do que a poesia. Só sei que quando leio ou ouço um bom texto e um bom discurso, sinto que desperta algo em meu espírito. Admiração pelo autor, vontade de ter a mesma capacidade de expressão e, principalmente, paixão pela beleza do verbo.

Este texto é uma singela homenagem àqueles que escrevem, que criticam elegantemente e que se aventuram na beleza da palavra, é uma homenagem aos meus amigos: Renato Feltrin, Ney Canani, Aline Sapiens e Caio Moreira, que a cada linha reconheço-os grandes e nobres em suas palavras, não tanto pelo teor de seus discursos, mas pela coragem e beleza de seus textos.

P.S.: achei esse texto nos meus arquivos... foi um desabafo pós-defesa ocorrida no dia 31/08/2009. Passado o "ódio no coração" resolvi publicá-lo.

A coisa
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo
outra e o leitor entende uma terceira coisa...
e, enquanto se passa tudo isso,
a coisa propriamente dita começa a
desconfiar que não foi propriamente dita".
(Mario Quintana)

2 comentários:

  1. Querida Ariete,
    Nunca pensei que seria homenageado pelas coisas que escrevo, mas que homenagem mais bela poderia haver que a sua? Muito obrigado pelas palavras, que certamente servem de incentivo a que nos aventuremos ainda mais pelo mundo dos textos e dos discursos, das formas e dos conteúdos, das vírgulas e dos pontos de interrogação. Você certamente já transita muito bem nele e não deveria se intimidar com esse universo. Acho que isso que você sente quando escreve, todos nós sentimos, em maior ou menor grau. Escrever é, sim, um ato de coragem, uma aventura, em que há muitos riscos pelo caminho, mas há também belas recompensas no final. A maior de todas talvez seja perceber que é possível, afinal, conectar-se com outros seres humanos. Pode parecer absurdo dizer isso. Afinal, não estamos sempre nos conectando com outras pessoas? Num certo sentido, sim. Mas no nível existencial, me parece, essa conexão só acontece quando permitimos que ela aconteça, quando nos expomos ao outro, corremos o risco de ser afetados pelo outro, e isso é o que acontece quando empenhamos nossa palavra. Ali nos abrimos ao outro e propomos uma conexão. Quando somos lidos e compreendidos, ou mesmo mal compreendidos, mas ouvidos, verdadeiramente ouvidos, essa conexão existencial acontece. Obrigado por ouvir o que ousamos escrever. Esteja certa de que você sempre será ouvida também. Abraços, Ney

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  2. Ney, querido... já te disse q um de seus textos q li, aquele da sua viagem pela Itália, foi como uma viagem astral p/ mim, daí a minha grande admiração pelo seu lado escritor... Adoro compartilhar idéias, textos e bons momentos com vc e Aline. Serão sempre bem-vindos em minha vida. Estou esperando outras produções de vcs... super abraço e manteremos contato nessa nossa existência virtual :)

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