Respondi que gostaria mesmo era de poder um dia
afinal escrever uma história que começasse assim: "era uma vez...". Para
crianças? perguntaram. Não, para adultos mesmo, respondi já distraída, ocupada
em me lembrar de minhas primeiras histórias aos sete anos, todas começando com
"era uma vez"; eu as enviava para a página infantil das
quintas-feiras do jornal de Recife, e nenhuma, mas nenhuma, foi jamais
publicada. E era fácil de ver por quê. Nenhuma contava propriamente uma
história com os fatos necessários a uma história. Eu lia as que eles
publicavam, e todas relatavam um acontecimento. Mas se eles eram teimosos, eu
também.
Mas desde então eu havia mudado tanto, quem sabe
eu agora já estava pronta para o verdadeiro "era uma vez".
Perguntei-me em seguida: e por que não começo? agora mesmo? Seria simples,
senti eu.
E comecei. Ao ter escrito a primeira frase, vi
imediatamente que ainda me era impossível. Eu havia escrito:
"Era uma vez um pássaro, meu Deus".
Clarice
Lispector (1920 - 1977), a voz feminina mais intensa e triste da
literatura brasileira, transitava com a mesma beleza e melancolia pela
literatura acessível ao leitor infantojuvenil: O mistério do coelho pensante (1967), A mulher que matou os peixes (1968), A vida íntima de Laura (1974),
Quase de verdade (1978), Como
nasceram as estrelas (1987) e ou adulto: Perto do Coração Selvagem (1943), O Lustre (1946), A Cidade
Sitiada (1949), Alguns contos
(1952), Laços de família (1960), A Maçã no Escuro (1961), A Paixão segundo G.H. (1964), A legião estrangeira (1964), Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres
(1969), Felicidade clandestina
(1971), Água Viva (1973), A imitação da rosa (1973), A via crucis do corpo (1974), Onde estivestes de noite? (1974), A hora da estrela (1977), Um Sopro de Vida - Pulsações (1978), A bela e a fera (1979).
(*) in Para não esquecer
- 5ª ed. - Siciliano - São Paulo, 1992.
Retirado do blog de Joba Tridente
in.: http://falasaoacaso.blogspot.com.br/2013/04/clarice-lispector-era-uma-vez.html
Perfeito :) Bjsss
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