domingo, 22 de julho de 2012

compreensão do princípio da impermanência...



A Bhagavad Gita é um dos capítulos do poema épico Mahabhárata, uma das mais importantes contribuições da Índia para a história da cultura universal. Como toda grande obra, fala a todos os leitores, em todas as épocas. 
Seu universalismo está presente, por exemplo, no tema do domínio de si, que percorre toda a filosofia indiana. Krishna, o divino mestre, ensina a vida a seu interlocutor. Fala também da alma, da devoção, do trabalho de aperfeiçoamento pessoal.
Fala sobretudo de certas realidades humanas: compreensão, inteligência, estar-livre-da-ilusão, veracidade, perdão, firmeza, felicidade, tristeza, nascimento, decadência, covardia, destemor, eqüidade, não-violência, satisfação, penitência, caridade, infância, fama.

http://srisrimadbhagavadgita.blogspot.com.br/2009/06/cancao-do-divino-mestre.html

sexta-feira, 20 de julho de 2012

... efêmera mente...

“Espiro-giro” é um alga bem pequena que à noite, ao pisarmos na areia, assim como quem chuta, brilha, brilha à beira mar. É daí que o breve instante vem iluminando sutilmente a areia molhada de mar. Mas é tão rápido que ao tentar rever já se foi. Registramos a beleza que se foi... 
 (Roberta Cerri Reis - Os corpos e os dias)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

... fly on my sweet angel...

anjos são etéreos, e porque etéreos não se pode aprisioná-los... 

"Pena que pena que coisa bonita,
 Qual a palavra que nunca foi dita, diga
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor vale amar..."
(M.N.)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

... pena...

As penas

Como diferem das minhas
As penas das avezinhas
Que de leves leva o ar
Só as minhas pesam tanto
Que às vezes nem já o pranto
Lhes alivia o pesar

As minhas penas não caem
Nem voam nunca, nem saem
Comigo desta amargura
Mostram apenas na vida
A estrada já conhecida
Trilhada pelos sem ventura

Passam dias, passam meses
Passam anos, muitas vezes
Sem que uma pena se vá
E se uma vem, mais pequena
Ai, depois nem vale a pena
Porque mais penas me dá

Que felizes são as aves
Como são leves, suaves,
As penas que Deus lhes deu
Só as minhas pesam tanto
Ai, se tu soubesses quanto...
Sabe-o Deus e sei-o eu

(Fernando Caldeira)

domingo, 15 de julho de 2012

... lembrança

"O amor é uma força, uma energia, que se manifesta na
 alma como um sentimento de lembrança de algo 
que a Alma já teve, mas perdeu..." 
(Platão)

Por meio do amor o homem busca o estado de Adão Kadmon (o homem antes da queda).

domingo, 8 de julho de 2012

eternal flame...

"Oh! Não deixeis apagar a chama! 
Mantida de século em século
Nessa escura caverna,
Neste templo sagrado!
Sustentada por puros ministros do amor!
Não deixeis apagar esta divina chama!"

(introdução de O Caibalion: estudo da filosofia hermética. SP: Ed. Pensamento, p. 9)

sábado, 7 de julho de 2012

Opus Magnum...

Numa alusão à obra divina da criação e ao projeto de redenção nela contido, o processo alquímico foi designado por "Grande Obra". Nesse processo, uma matéria inicial, misteriosa e caótica, chamada Matéria prima, em que os opostos se encontram ainda inconciliáveis num conflito violento, deve ser transformada progressivamente num estado de libertação de harmonia perfeita, a "Pedra Filosofal" redentora ou o Lapis philosophorum: "Primeiro, combinamos, em seguida decompomos, dissolvemos o decomposto, depuramos o dividido, juntamos o purificado e solidificamo-lo. Deste modo, o homem e a mulher transformam-se num só."
 
(Büchlein vom Stein des Weisen, 1778. In.: ROOB, Alexnder. Alquimia e misticismo. O museu hermético. Madrid: Taschen, 2000. p. 110.)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

... inefável

"A muitos não é concedido ouvir, falar Naquele que habita a eternidade. Muitos, embora ouçam falar Dele, não O entendem. Maravilhoso é aquele que fala a respeito Dele. Inteligente é aquele que aprende a respeito Dele. Abençoado é aquele que, tendo aprendido com um bom mestre, é capaz de compreendê-Lo."
Upanishads

(in: MAGNO, Alberto. Iniciação à Alquimia. RJ: Nova Era. 2000, p.9)

Ouroboros...

"Tudo procede do Um e volta ao Um, pelo Um e para o Um. Desta forma tão tranquilizadora fala Ouroboros (a serpente ou dragão que morde a própria cauda), o eloqüente símbolo do Um Eterno e Infinito, que representa perfeitamente o grande Ciclo do Universo, assim como seu reflexo, o Magnum Opus. A imobilidade perfeita e o movimento perfeito."
(in: MAGNO, Alberto. Iniciação à Alquimia)

terça-feira, 3 de julho de 2012

... partícula de Deus


 Cientistas encontraram uma forte evidência sobre a “partícula de Deus”

            Segundo fontes midiáticas, os físicos do Laboratório Nacional Acelerador Fermi, vinculado ao Departamento de Energia dos Estados Unidos, declararam que encontraram a mais forte evidência, até o momento, da existência de um corpo subatômico conhecido como "partícula de Deus", ou bóson de Higgs. A descoberta é resultado de pesquisas com subprodutos da colisão de partículas no acelerador Tevatron. Como tudo na ciência, o achado precisa de provas “cientificamente comprováveis” que o autentiquem e validem como verdade científica. Amanhã, físicos do CERN, laboratório acelerador de partículas da Suíça, deverão também anunciar o resultado de suas pesquisas.
            O bóson de Higgs é uma partícula elementar surgida logo após ao Big Bang de escala maciça hipotética predita para validar o modelo padrão atual de partícula. É a única partícula do modelo padrão que ainda não foi observada, mas representa a chave para explicar a origem da massa das outras partículas elementares. Todas as partículas conhecidas e previstas são divididas em duas classes: férmions (partículas com spin da metade de um número ímpar) e bósons (partículas com spin inteiro). As massas da partícula elementar e as diferenças entre o eletromagnetismo (causado pelo fóton) e a força fraca (causada pelos bósons de W e de Z), são críticas em muitos aspectos da estrutura da matéria microscópica e macroscópica. Assim, se ela realmente existir, o bóson de Higgs terá um efeito enorme na compreensão do mundo a nossa volta, como querem nos fazer crer a comunidade científica e o poder vigente.
            A “partícula de Deus” como é chamada hoje já foi tema de pesquisa dos cientistas de outras épocas e muitas vezes mencionada pelos alquimistas e magos de outrora. Os espíritas atuais chamam de “fluido cósmico” e no século XIX muitos pesquisadores chamavam de "fluido universal" como nesse documento.

Revista Esphynge
Agosto 1899 – no. 2
Parte Philosophica e scientifica
O FLUIDO UNIVERSAL
(RESUMIDO DO PAIZ)
Rychnowski, sabio director do Instituto Mecânico da cidade de Lemberg (Gallicia), mandou, em Maio de 1896, á Academis de Sciencias de Vienna, a primeira communicação de uma descoberta sua, a que deo o nome de Fluido Universal ou Electroide.
O apparelho gerador do electroide ou fluido universal é simplesmente uma caixinha de pao, toda fechada, apenas com um tubosinho ou chaminé, em cima ou de lado, de ponta afunilada, e que serve para dar sahida a vontade do experimentador, ao fluido nella contido. Esta ligada a um apparelho hermetico que, por combinação de reativos chimicos, lhe fornece o electroide. Essa nova energia, de que a sciencia vae dispor, tem sertas propriedades da electricidade. Dir-se-hia que os reativos chimicos decompõem, izolam electricamente o hydrogenio que não é corpo simples.
Nas experiencias  a que se procederam ante uma commissão de especialistas, composta de professores da Eschola Superior Technica e da Real Eschola Superior, de Lemberg, foram observados diversos phenomenos.
PHENOMENOS LUMINOSOS
a) – Aposento em trevas ou illuminado por luzes vermelha – Jorra o fluido pelo bico da caxinha, forma fora um invertido cone de luz azulada ou roxo clara, imagem cujo vertice toca o bico do tubo. NA base do cone a luz transforma-se em nevoa, inunda gradulamente o recinto em obscuridade, e gradualmente se vae depositando por cima de todos os objectos, moveis, etc, até que, no fim de certo tempo, longo relativamente, os torna visiveis, os destaca por luminosidade. O aposento illuminou-se; tudo nelle é vizivel.
Relembra essa nevoa o OD de Reichenbach e tambem as formas luminosas das sessões espiritas, principalmente as azuladas, em cujo amago se formam e destacam as apparições de formas humanas, modernamente chamadas materialisações de espiritos. Com effeito, todos os sabios, que têm visto e estudado semelhante phenomeno e (hoje são elles uma legião) descrevem a nevoa que o precede, e que é, por assim dizer, o seo involucro, tal qual se aprezenta a nevoa do fluido universal de Rychnowsky – Zöllner, Bodisco, W.Crookes, Wallace, Aksakoff, Baraduc, etc., etc., são todos accordes neste ponto.
b) – Experiencias com os tubos de Gleissler – Ia. Exerce sobre elles a mesma influencia que a electricidade. Approximados do cone luminoso, illuminam-se de luz phosphorescente, matizada de roxo-desmaiado ou verde-claro.Tal côr se converte em intenso azul violaceo, no nivel da primeira cintura dos tubos, isso mesmo a um metro de distancia do bico emissor do fluido.
2ª. Illuminado assim um tubo de Geissler, todos os outros que forem approximados delle tambem se illuminam, uma vez que as pontas estejam na mesma linha do primeiro. O vacuo destes tubos é meio de primeira ordem para a propagação do fluido universal; este, ao contrario da electricidade, tem no vidro o seo melhor conductor.
c) – Experiencia com globos de vidro – Io. Qualquer globo de vidro luminoso, como por exemplo, os da illuminação electrica por incandescencia, tambem se illumina como os tubos geisslerianos, mas com esta differença: - porque taes globos são muito maiores, muito mais vivo é o phenomeno, e a luz se manifesta por turbilhões azulados, como nuvens, especie de fumaça azulada.
2º. Um globo de vidro, vazio, posto dentro de um vazo de vidro, aberto, e de antemão cheio de fluido universal, - fica logo luminoso. A inversa não dá o mesmo resultado.
3º. Qualquer lampada grande, do tamanho das empregadas por Tesla, chegada perto da torneira, illuminam-se da mesma luz que ha pouco nos referimos, azulada e diffuza, semelhante a do dia.
Provam todas estas experiencias que o fluido de Rychnowski atravessa o vidro.
Já Mesmer tinha observado que o fluido magnetico (magnetismo animal) tambem atravessava o vidro. Dado lhe o nome de fluido humano, Baraduc confirmou essas observações. É sabido que as irradiações electricas hertzianas atravessam os corpos isoladores da electricidade. Assim, com mais razão ainda, essa propriedade deve ser apanagio do fluido universal.
Se este encontra, porém, grandes obstaculos, vidros muito grossos, por exemplo, ou se está em estado de repouso, tende então a condensar-se em globulos brancos, luminosos. As irradiações do fluido universal são reflectidas por uma chapa polida, de conformidade com as leis communs da optica. É branca a luz reflectida e forma no ponto de incidencia uma especie de estrella flammejante, ou então de flor, cercada de globulos brilhantes, que se condensam na extremidade das irradiações ou petalas. Essas irradiações aprezentam ás vezes uma ou mais caudas, cousa que lhes dá  o aspecto de cometas.
d) – Effeitos photo-chimicos – Io. A luz do fluido universal actua energicamente, e sem auxilio de nenhum apparelho, sobre qualquer chapa photographica.
Uma chapa, exposta directamente e por muito tempo á emissão do fluido, se torna luminosa, e se reveste de uma camada de orvalho resplandescente: mergulhada na agoa, esse orvalho se desprende e sobrenada.
2º. – O fluido  diluido perde a luminosidade. Entretanto, ainda assim, com elle se reunem e photographan os raios inviziveis, emittidos pelos objectos.
Dahi resultam mais uma vez as affinidades que ha entre o OD e o fluido universal de Rychnowski.
3º. – As partes osseas, internas, já são photographadas pelo fluido universal, exactamente como o seriam pelos raios X.
Rychnowski espera conseguir, pela illuminação interna produzida pelo fluido universala supressão da opacidade.
e) – Phenomenos mechanicos – Io. Em torno de um eixo fico, um corpo movel gyra, bola de vidro, de ambar, etc., exposto na distancia de alguns centimetros ao fluido universal, conduzido por um tubo de  borracha.
2º. – Expostos ao fluido, dous aneis concentricos tambem gyram, mas um para a direita e outro para a esquerda.
3º. – Uma bola de vidro, enfiada num eixo fixo, simultaneamente se illumina e gyra; enfiado um anel no mesmo eixo, gyrou em torno da bola, em sentido contrariio á rotação della; uma segunda bola de vidro, enfiada, gyrou em torno do anel, no sentido da rotação da primeira.
Tudo isso fez lembrar os movimentos de Saturno, de seos aneis e satellites.
4º. – Duas bolas de celluloide num prato de metal, com um furo em bico, no centro. Passando o fluido elo bico furado, pozeram-se as duas bolas a gyrar, a primeira em torno do bico, ou eixo e a outra ao redor da primeira.
5º. – Livremente suspenso e movel, exposto ao fluido, tende um balão de vidro a duplo movimento um de rotação sobre si mesmo, e outro de translação elliptica ao redor do ponto de dahida do fluido.
Accresce que electroidizado (quer dizer: - exposto ao fluido universal ou electroide), todo e qualquer balão atrahe os outros balões, pertubando-lhes assim as orbitas ellipticas.

P.S: Mantive a grafia de época, pois como historiadora, procuro interferir o menos possível na fonte pesquisada.

            O “acelerador de partículas” do XIX, descrito nesse texto, parece mais uma engenhoca saída de uma das obras de Julio Verne, é verdade. Mas o que chama a atenção é que a busca de uma comprovação científica da existência de Deus faz parte da preocupação existencial humana desde que o homem se aventura no mundo da investigação. Temo que o poder dessa descoberta caia em mãos erradas, assim como aconteceu com as descobertas de Marie Curie e a criação da bomba. Que fará a humanidade com a posse da matéria de criação divina? Criará anjos ou demônios?!

domingo, 1 de julho de 2012

... perdoando Deus



''Em todo caso o futuro parecia vir a ser muito melhor. Pelo menos o futuro tinha a vantagem de não ser o presente, sempre há um melhor para o ruim. Mas não havia nela miséria humana. É que tinha em si mesma uma certa flor fresca. Pois, por estranho que pareça, ela acreditava. Era apenas fina matéria orgânica. Existia. Só isto. E eu? De mim só se sabe que respiro. Embora só tivesse nela a pequena flama indispensável: um sopro de vida”.
(Clarice Lispector, A Hora da Estrela)

... quanto a mim, apenas acredito, já nem sei mais em que, mas acredito...

o que Deus não é...



“Deus é único e totalmente perfeito que não se parece com nenhuma das coisas que existem; não o podes descrever usando a tua inteligência humana, como se fosse alguém que se deixa levar pela ira, se és mau, ou que se ocupa de ti por bondade, alguém que tenha boca, orelhas rosto, asas, ou que seja espírito, pai ou filho, nem mesmo de si próprio. Do Único não podes dizer que existe ou que não existe, tudo abrange mas não é nada; podes nomeá-lo apenas por meio da dessemelhança, porque é inútil chama-lo Bondade, Beleza, Sabedoria, Amabilidade, Potência, Justiça, seria o mesmo que chama-lo Urso, Pantera, Serpente, Dragão ou Grifo, pois, não importa o que disseres, nunca poderás exprimi-lo. Deus não é corpo, figura ou forma, não tem quantidade, qualidade, peso ou leveza, não vê, não ouve, não conhece desordem ou perturbação, não é alma, inteligência, imaginação, opinião, pensamento, palavra, número, ordem, grandeza, não é igualdade nem desigualdade, não é tempo nem eternidade, é uma vontade sem objetivo; procura entender Baudolino, Deus é uma lâmpada sem chama, uma chama sem fogo, um fogo sem calor, uma luz escura, um rumor silencioso, um relâmpago sem rumo, uma escuridão luminosíssima, um raio da própria treva, um círculo que se expande contraindo-se no próprio centro, uma multiplicidade solitária, é... é...” Hesitou para encontrar um exemplo que convencesse a ambos, ela, a mestra, e ele, o aluno. “É um espaço que não existe, no qual tu e eu somos a mesma coisa, como hoje nesse tempo que não passa.”
Uma leve chama passou-lhe pelo rosto. Calou-se, assustada por aquele exemplo incongruente, mas como julgar incongruente qualquer adição a uma lista de incongruências?
Baudolino sentiu a mesma chama que lhe atravessava o peito, mas temeu pelo embaraço e ficou paralisado, sem permitir que um só músculo de seu rosto traísse os impulsos do coração, ou que a sua voz tremesse, e perguntou com teológica firmeza: “Mas e a criação? O mal?”
O rosto de Ipásia retomou a sua rósea palidez: “Mas então o Único, por causa de sua perfeição, por generosidade de si mesmo tende a difundir-se, a dilatar-se em esferas cada vez mais amplas da própria plenitude, é como uma vela que é vítima da luz que propaga, quanto mais ilumina mais se desfaz. Aí está, Deus se liquefaz nas sombras de si mesmo, torna-se uma multidão de divindades mensageiras, Éons que possuem grande parte de sua potência, mas num modo bem mais fraco. São tantos deuses, demônios, Arcontes, Tiranos, Forças, Centelhas, Astros, aqueles mesmos que os cristãos chamam de anjos ou arcanjos... Mas não foram criados pelo Único, são a sua emanação.
Emanação?
Vês aquele pássaro? Mais cedo ou mais tarde irá gerar outro pássaro por meio de um ovo, como uma ipásia pode gerar um filho de seu ventre. Mas, uma vez gerada, a criatura, ipásia ou passarinho, vive por conta própria, mesmo que sua mãe morra. Pois muito bem, pensa agora no fogo. O fogo não gera calor, emana. O calor é a mesma coisa que o fogo, se apagasses o fogo cessaria também o calor. O calor do fogo é fortíssimo onde ele nasce, e se torna cada vez mais fraco à medida que a chama se torna fumaça. Assim acontece com Deus. À medida que se expande para longe do próprio centro obscuro, de alguma forma perde o seu vigor, e o perde cada vez mais até que se torna matéria viçosa e insensível, como a cera sem forma em que se desmancha a vela. O Único não desejaria emanar-se tão longe de si, mas não pode resistir a este seu desintegrar-se até a multiplicidade e à desordem.
E esse teu Deus, não consegue dissolver o mal... que se forma a seu redor?
Oh sim, ele poderia. O Único procura reabsorver continuamente essa espécie de sopro, que pode se tornar veneno, e por setenta vezes sete milhões de anos conseguiu continuamente fazer voltar ao nada os seus resíduos. A vida de Deus era uma respiração regular, ele respirava sem esforço. Assim, ouve. Aspirava o ar fazendo vibrar suas delicadas narinas, depois soltava o ar pela boca. Um dia porém, não conseguiu controlar uma de suas potências intermediárias, que nós chamamos o Demiurgo, e que é talvez Sabaoth ou Ildabaoth, o falso deus dos cristãos. Essa imitação de Deus, por erro, por orgulho, por insipiência criou o tempo, onde antes havia apenas a eternidade. O tempo é uma eternidade gagueja, compreendes? E com o tempo criou o fogo, que transmite calor, mas corre também o risco de queimar tudo, a água, que tira a sede, mas que também afoga, a terra, que nutre as ervas, mas que pode provocar avalanche e sufocá-las, o ar que nos permite respirar, mas que pode se tornar furacão... Errou tudo, pobre Demiurgo. Fez o Sol, que dá luz, mas pode secar os prados, a lua, que não consegue dominar a noite além de alguns poucos dias, e que depois míngua e morre, os outros corpos celestes, que são esplêndidos, mas que podem emitir influxos nefastos, e depois seres dotados de inteligência, mas incapazes de compreender os grandes mistérios, os animais, que às vezes são fiéis e outras vezes nos ameaçam, os vegetais, que alimentam mas que têm vida muito breve, os minerais, sem vida, sem alma, sem inteligência, condenados a não entender nada. O Demiurgo era como um menino, que se lambuza com a lama para imitar a beleza de um unicórnio, e dele acaba saindo algo que se parece com um rato!
Então o mundo é uma doença de Deus?
Se és perfeito, não podes emanar, se emanas adoeces. E depois procura entender que Deus, na sua plenitude, é também o lugar, ou o não-lugar, no qual os opostos se confundem, não?
Os opostos?
Sim, nós experimentamos frio e calor, a luz e a escuridão, e todas aquelas coisas que são contrárias umas às outras. Às vezes o frio nos desagrada, e parece um mal comparado ao calor, mas às vezes faz muito calor, e desejamos o frescor. Somos nós que, diante dos opostos, acreditamos, conforme o nosso desejo, e a nossa paixão, que um deles seja o bem e o outro, o mal. Ora, em Deus os opostos se unem e encontram recíproca harmonia. Mas quando Deus começa a se emanar, não consegue mais controlar a harmonia dos opostos, e estes se quebram e lutam uns contra os outros. O Demiurgo perdeu o controle dos opostos, e criou um mundo onde o silêncio e o ruído, o sim e o não, um bem combate com outro bem. Isto é o que percebemos como mal.”
Tomada de entusiasmo, mexia as mãos como se fosse uma menina que, ao falar de um rato, imita-lhe as formas, ou nomeando um temporal desenha redemoinhos no ar.
“Falas do erro da criação, Ipásia, e do mal, mas como se não te dissesse respeito, e vives neste bosque como se tudo fosse belo como tu.
Mas se também o mal vem de Deus, haverá ainda algum bem no mal. Estás me ouvindo, porque és um homem, e os homens não estão acostumados a pensar da maneira certa sobre tudo que existe.
Eu sabia, até eu penso mal.
Não, apenas pensas. E pensar não é suficiente, não é essa a maneira certa. Agora procura imaginar uma nascente que não tenha nenhum princípio e que se espalhe por mil rios, sem jamais secar. A fonte permanece sempre calma, fresca e límpida, enquanto os rios correm para pontos diversos, misturam-se à areia, estreitam-se entre as rochas e tossem estrangulados, às vezes secam. Os rios sofrem muito, sabes? E no entanto até mesmo aquela dos rios e da torrente mais lamacenta é água, e se origina da mesma fonte deste lago. Este lago sofre menos que um rio, pois que em sua limpidez recorda melhor a nascente de que se originou, um charco cheio de insetos sofre mais do que um lago e do que uma corrente. Mas de qualquer modo todos sofrem, porque gostariam de voltar para a sua origem e esqueceram como se faz."
Ipásia deu o braço a Baudolino, e fez com que se virasse para o bosque. Nisso a sua cabeça aproximou-se da dele, e ele sentiu o aroma vegetal daquela cabeleira.
"Olha aquela árvore. O que se espalha dentro dela, das raízes até a última folha, é a mesma vida. Mas as raízes reforçam-se na terra, o tronco se fortalece e sobrevive a todas as estações, enquanto os ramos tendem a secar e a se despedaçar, as folhas duram alguns poucos meses e depois caem, os rebentos vivem algumas semanas. O mal maior está nas folhas e não no tronco. A árvore é uma, mas sofre quando cresce porque se transforma em muitas e ao se multiplicar se enfraquece.
Mas as folhas são belas, tu mesma desfrutas a sua sombra...
Vês que também podes tornar-se sábio, Baudolino? Se não houvesse essas folhas, não poderíamos estar sentados falando de Deus, se não houvesse o bosque jamais nos teríamos encontrado, e isso seria talvez o maior dos males.
Mas então explica-me, como pode muitos serem bons, pelo menos em certa medida, se são uma doença do Único?
Vês que ainda podes tornar-te sábio, Baudolino? Disseste em certa medida. Apesar do erro, uma parte do Único permaneceu em cada um de nós, criaturas pensantes, e também em cada uma das outras criaturas, dos animais aos corpos mortos. Tudo o que nos circunda é habitado por deuses, as plantas, as sementes, as flores, as raízes, as fontes, cada um deles, embora sofrendo por ser uma péssima imitação do pensamento de Deus, não quereria mais do que reunir-se com ele. Devemos encontrar a harmonia entre os opostos, devemos ajudar os deuses, devemos reavivar essas centelhas, essas lembranças do Único, que jazem ainda sepultadas em nossa alma e nas próprias coisas."

(Baudolino, Umberto Eco. p. 491 – 496)