sábado, 13 de julho de 2013

... inverno...

Em memória de W. B. Yeats


Desapareceu no rigor do Inverno:
Os regatos gelados, os aeroportos praticamente desertos,
E a neve desfigurava as estátuas da praça;
O mercúrio afundava-se na boca do dia que morria.
Ó, os instrumentos todos são unânimes,
Que o dia da sua morte foi um frio e escuro dia.

Longe da sua agonia
Corriam os lobos pelas florestas perenes,
O rio da província desdenhava os cais elegantes;
Pelas línguas pesarosas
A morte do poeta furtou-se aos seus poemas.

Mas para ele foi a tarde derradeira de si próprio,
Uma tarde de enfermeiras e rumores;
As províncias do seu corpo em revolta,
Os setores do seu cérebro esvaziados,
O silêncio invadiu os subúrbios,
Estancou a torrente do seu sentir; tornou-se nos seus admiradores.

Agora está disperso por centenas de cidades,
E de todo entregue aos afetos alheios;
Para achar a felicidade num outro tipo de bosque
E sofrer o castigo de um código de consciência estrangeiro.
As palavras de um morto
Modificam-se nas entranhas dos vivos.

Mas na importância e no ruído de amanhã
Quando os corretores rugirem como feras no salão da Bolsa,
E os pobres padecerem dos martírios a que já se habituaram,
E cada um na cela de si mesmo quase se convencer da sua liberdade;
Uns parcos milhares pensarão neste dia
Como se pensa num dia em que se fez algo um tanto invulgar.
Ó, os instrumentos todos são unânimes
Que o dia da sua morte foi um escuro e frio dia.

2

Foste tonto como nós; a tudo sobreviveu o teu talento;
À paróquia das ricas senhoras, à decadência física,
A ti mesmo; a louca Irlanda feriu-te para a poesia.
Agora a Irlanda tem ainda a sua loucura, a sua temperatura,
Porque a poesia não faz acontecer nada: sobrevive
No vale do seu dizer, onde os executivos
Não gostariam nunca de lavrar; corre para Sul
Das herdades isoladas e das mágoas agitadas,
Rudes cidades em que acreditamos e morremos; sobrevive
Uma forma de acontecer, uma boca.

3

Recebe, ó terra, um hóspede honrado;
William Yeats jaz descansado:
Que repouse a vasilha vazia
Deste irlandês sem a sua poesia.

O tempo que é intolerante
Para com os bravos e inocentes,
E numa semana indiferente
Ao físico mais elegante,

Venera a linguagem e perdoa
Todos os que ela povoa;
Perdoa a vaidade e a cobardia,
E aos seus pés faz cortesia.

O tempo, que com tal justificação
Perdoou de Kipling a opinião,
E perdoará a Paul Claudel,
Perdoa-lhe a ele pela escrita fiel.

No pesadelo do breu
Ladram os cães europeus,
E aguardam as nações vivas,
Pelos seus ódios cativas.

A desgraça intelectual
No rosto humano é geral,
E há oceanos de pesar
Trancados e pétreos no olhar.

Vai, poeta, segue afoito
Até ao fundo da noite,
Com teu canto livrador
Traz-nos ainda o esplendor.

Com um verso bem arado
Faz vinha deste mau fado,
Canta o humano insucesso
Num arroubo de possesso.

Que nos regue o coração
A fonte da regeneração,
E ao homem, preso em seus dias,
Dá-lhe um canto de alforria.

In.: http://antoniocicero.blogspot.com.br/

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