Publicado no ano de 1982, o texto “A
Solidão dos Moribundos!” de Norbert Elias retrata o comportamento dos
homens diante do fim eminente, os quais ao nascer já foram sentenciados:
a morte. As sociedades mais desenvolvidas, em nome de uma higienização
biológica, afastam o indivíduo da família – e não o fazem sem razão – e
enceram o moribundo em hospitais, de modo que a partir deste momento é o
Estado e todos seus empregados que tomarão os cuidados necessários para
com o doente que logo tornar-se-á um cadáver. Portanto, a morte deixa
de ser pública e é encerrada dentro de Instituições.
Elias ressalta que diante das diversas
maneiras de lidar com o fim da vida, a crença de que “os outros morrem,
menos eu” seria uma forma de retração diante da finitude; retração ainda
maior no século XX. Mesmo a morte sendo um fato diante da existência, o
homem não deixa de indagar o sentido da mesma: o que pensa um homem que
tem conhecimento do seu fim eminente? O que fazem as pessoas queridas
deste moribundo nestes instantes finais? O amor e o aconchego das
pessoas que lhe são caras amenizariam o peso da proximidade do fim? Tais
questões colocam os vivos diante da fragilidade dos moribundos: “A
fragilidade dessas pessoas é muitas vezes suficiente para separar os que
envelhecem dos vivos. Sua decadência as isola”. (ELIAS, p. 8). Esta
passagem é sugestiva, pois impulsiona o leitor a distinguir os “vivos”
dos “moribundos”, de modo que o moribundo não é participante da
comunidade dos vivos: a precariedade biológica os condena
antecipadamente a uma não-comunidade, ou seja, o moribundo não pertence
nem ao mundo dos vivos, nem ao mundo dos mortos, ele está só. Os vivos
falam da morte, os moribundos, diante dela, atônitos se calam. Para os
vivos a morte é sempre um problema do outro, entretanto, Elias,
estreitando as rédeas, traz à tona o problema da morte e, mui
claramente, salienta a quem o mesmo se destina: “A morte é um problema
dos vivos. Os mortos não têm problemas. Entre as muitas criaturas que
morrem na terra, a morte se constitui um problema só para os seres
humanos. Embora compartilhem o nascimento, a doença, a juventude, a
maturidade, a velhice e a morte com os animais, apenas eles, dentre
todos os vivos, sabem que morrerão [...]”. (ELIAS, p. 10). A nobreza do
pensamento esclarece a certeza da dissolução biológica: tal estado
coloca o moribundo diante do abandono. O moribundo seguirá sozinho,
desta maneira, ele já está sozinho. O que fica para trás é um problema
para os vivos. Uma macaca carrega por vários dias o seu filhote que
nasceu morto (Cf. ELIAS, p. 11), mas, com o passar do tempo, esquece
onde deixou o cadáver e segue a sua vida: “Nada sabe da morte, da de sua
cria e da sua própria. Os seres humanos morrem, e assim a morte se
torna um problema para eles”. (ELIAS, p. 11). No texto Elias deixa claro
que o problema da morte é fundamental para a vida humana, pois, sabendo
que morre, o homem precisa agir. Logo, como preservar a vida?
A vida do homem em sociedade serviu de
preparação para a crença em vidas após a morte, desde que tal crença
oferecesse um mínimo de alívio que possibilitasse um grau de agonia
menor do que o esperado para uma criatura que, em um determinado
momento, toma conhecimento da morte. Todavia, em sociedades mais
desenvolvidas, a crença em sistemas de sentido sobrenaturais tornaram-se
menos apaixonadas (Cf. ELIAS, p. 13), “[...] em certa medida,
transferiu sua base para sistemas seculares de crenças.” (ELIAS, p.
13). Os desenvolvimentos da técnica médica aumentou o tempo de vida,
pois, no século XII “[...] um homem de quarenta anos era quase visto
como um velho [...]”.(ELIAS, p. 14). Na sociedade moderna ele é visto
como “quase jovem” (ELIAS, p. 14). Desta maneira, a morte distancia-se
não só na vida do indivíduo que vive mais, mas ela é banida do espaço
público. Se antes a morte caminhava entre os homens, de modo que os
moribundos padeciam na companhia de seus familiares e súditos até o
último pulsar de seu coração, agora será nos hospitais que o moribundo,
sozinho – pois está afastado daqueles que lhe são caros –, enfrentará
seu fim derradeiro. “O espetáculo da morte não é mais corriqueiro. Ficou
mais fácil esquecer a morte no curso normal da vida”. (ELIAS, p. 15).
Portanto, a morte é empurrada para os bastidores da vida social e, o que
não poderia ser diferente, o moribundo também. A morte não deve ser
falada, nem pensada, ora, tal posição faz pesar as bases da educação ou
formação do indivíduo: o que os pais falam para seus filhos quando estes
se deparam com a morte? Nada. Neles habitam o medo de transmitir suas
angústias aos filhos e abortam qualquer possibilidade de fazer os filhos
pensar sobre o fim de tudo que os cerca (Cf. ELIAS, p. 26), mesmo
porque o repertório lingüístico para lidar com o fim é exíguo. (Cf.
ELIAS, p. 31).
O texto “A Solidão dos Moribundos!” de
Norbert Elias levanta problemas da sociedade contemporânea, contrastando
esta com sociedades que se organizaram de outra forma em diferentes
contextos. O resultado desta análise é uma avaliação clara da relação
que o homem – das sociedades tecnicistas e instrumentalmente
sofisticadas – trava com o moribundo e a idéia da morte: isolamento para
dissolução. Portanto, neste contexto a morte é encarada como sentença
que deve ser escondida dos vivos e higienizada pelas funerárias. O medo
da morte é tão aterrorizante que o moribundo é afastado da vida dos
vivos e os vivos incorporados numa comunidade eterna. A inclusão destes
vivos nesta comunidade eterna é elaborada pelas religiões que tentam,
incessantemente, suprir a demanda de vida eterna dos vivos e,
consequentemente, construir uma espécie de “administração dos medos”.
Assim a vida torna-se mais suportável e a morte menos cruel.
ELIAS, Norbert “A Solidão dos Moribundos”. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
Texto de ANDREI VENTURINI MARTINS
do Blog: http://www.institutohypnos.org.br/?p=958