quinta-feira, 29 de março de 2012

De cabocla à cortesã...


Hoje, 29 de março, minha cidade natal completa 319 anos. A" Coritiba" que era uma "caboclinha de olheos azues", virou uma "cortezã" na modernidade e agora é uma balzaqueana charmosa... na flor da idade. Bela, limpa, chuvosa e fria... como te gosto, "cidade sorriso"!

De cabocla à cortesã

A grande reforma porque está passando Coritiba, a formosa terra do Sul, o berço de meus dias, onde pela primeira vez eu contemplei o riso jaspeo da aurora a despontar n’um céo fresco e azulineo, onde pela primeira vez eu vi surgir a lua com seus fluidos magnéticos de tristeza de tal forma impressionou-me, que resolvi poetisal-a assim:

Ella era uma caboclinha rústica, de tez morena e olheos azues. Andava a errar pelas selvas sem fim, pelas mattas seculares, o corpo apenas abrigado em pelles brutas de animaes ferozes, os pés descalços, acostumados a pisar espinhos.

Um dia encontraram-na assim homens da civilisação. Agarraram-na, cingiram-lhe o corpo d’uma belleza selvagem, e a arisca menina sentio a primeira revolta de seu pudor offendido, que em ondas rubras lhe tingiram o rosto.

Então esses homens deram-lhe grosseiras vestes, pentearam os seus formosos cabellos que eram negros como a noite, e ensinaram-lhe as primeiras letras.

Depois vieram os homens públicos; viram-na, acharam-na bella e um profundo amor pela menina lhes queimou as entranhas. Até que uma noite em que a lua se occultára, o mais ousado d’elles, n’um ímpeto feroz de voluptosidade, tirou-lhe a virgindade!

Desde esse dia Coritiba tornou-se outra: já não era a mesma matutinha submissa; seu rosto, agora delgado, vestia finíssimos trajes de seda pura, e seus delicados pésinhos calçavam reluzentes botinhas de verniz.

Agora ella é altiva cortezã, a sedutora princeza do Sul, a mulher que fascina, que tem encantos mil, que tem mil adoradores. Entretanto ella era uma caboclinha rústica de tez morena e olheos azues...

(Crônica de Higino, Coritiba, O Paraná, 15/06/1910.)

BERBERI, Elizabete. Impressões: a modernidade através das crônicas no início do século em Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998. p.5)

Um comentário:

  1. Que legal essa lembrança, Ariete!! eu sempre me emociono quando leio os "meus" cronistas...
    um beijinho,
    Bete

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