Ao trabalhar com a história da ciência, um de meus focos é a mudança de paradigma que o saber científico sofre ao longo dos tempos. Antes do século XIX, século do cientificismo por excelência, ciência e magia não eram pensadas separadamente. E segundo os grandes historiadores da ciência, o saber hermético antigo muito contribuiu com a revolução científica do século XVII. À parte a discussão sobre as origens místicas da ciência e sua relação com o hermetismo, assuntos que fazem parte de meu objeto de pesquisa, gostaria de ilustrar uma mudança de visão de mundo, no que diz respeito ao jogo de xadrez. A revista Scientific American deste mês traz, em uma de suas seções, a seguinte matéria, publicada pela mesma revista, em 1859:
Submetendo-se ao xadrez - "Uma mania perniciosa para aprender
a jogar xadrez espalhou-se pelo país todo, e vários clubes formaram-se em inúmeras cidades para estimular a prática do jogo. Pode-se perguntar: Por que deveríamos lamentar? A resposta é que o xadrez é uma simples diversão engendrada por um ser inferior que rouba da mente um tempo precioso que poderia ser aproveitado com conhecimentos mais nobres, além de não trazer nenhum benefício ao corpo. O xadrez goza de alta reputação como uma forma de disciplinar a mente, mas as pessoas envolvidas em ocupações sedentárias nunca deveriam praticar esse jogo sem graça; elas precisam de exercícios ao ar livre - e não desse tipo de digladiamento mental."
Essa é uma visão, veiculada por uma revista científica do século XIX. No entanto, o xadrez, hoje, consta como disciplina alternativa em algumas escolas. Há campeonatos interescolares nacionais e internacionais. E os especialistas contemporâneos afirmam que sua prática ajuda na concentração e na formação da dinâmica cerebral. Achei essa matéria curiosa, pois como historiadora, acho importante observar como os paradigmas de saber são flutuantes e oscilantes. E isso vale para paradigmas de comportamento, do que é bom ou ruim, do que é certo ou errado numa sociedade. Cada momento histórico estabelece uma relação com os seus paradigmas norteadores em todas as áreas da vida.
In.:
Scientific American Brasil, Ano 8, no. 86, p. 10.